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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ ENTREVISTA
Historiador norte-americano avalia que presidente ficará apenas com funções cerimoniais, como viagens e encontros no exterior
Lula virou um "fantasma", diz Skidmore
IURI DANTAS
DE WASHINGTON
Acostumado às reviravoltas da
política do Brasil, país que estuda
há 44 anos, um dos mais renomados historiadores norte-americanos, Thomas Skidmore, 73, não
demonstra surpresa quando indagado sobre a atual crise política
enfrentada por Luiz Inácio Lula
da Silva e pelo PT. No seu entender, o primeiro operário eleito para a Presidência tornou-se um
"fantasma", um "homem oco",
alguém que "não entende realmente o que está acontecendo".
A conseqüência disso? "Pode
ser perfeitamente possível deixá-lo continuar com funções cerimoniais, das quais realmente gosta,
as viagens, encontros com outros
governos, e permitir que o governo continue a gravitar em torno
de pessoas apropriadas como [o
ministro da Fazenda Antonio]
Palocci, que obviamente deve ser
a única pessoa que vai sobreviver
a esse problema. Não sei se Lula
vai precisar concordar com isso
ou se vai simplesmente acontecer,
chegar ao ponto em que todos decidam que ele é o presidente que
nunca houve, um fantasma".
Além da "tragédia" pessoal de
Lula e do PT, o autor de "De Getúlio a Castelo" diagnostica também
a "falência" do sistema político
posterior à ditadura militar (1964-1985). "O sistema de governo que
a Constituição de 1988 produziu
não é viável. Não é possível conduzir o Brasil, especialmente em
um o sistema partidário fragmentado, com as regras eleitorais adotadas depois do regime militar",
disse. Leia trechos da entrevista
concedida por telefone na quarta:
Folha- Como o sr. vê as suspeitas
contra o PT e seus líderes?
Thomas Skidmore - Parece que a
maioria das acusações têm substância, não são apenas rumores.
Houve o uso de muito dinheiro
privado para influenciar políticos
no Congresso. Acredito que todo
mundo concorda com isso. O segundo ponto é: como isso veio à
tona? A resposta comum seria
que PT traiu seus ideais. Isso pode
ser verdade, mas penso que é mais
relevante olhar para o sistema. O
sistema de governo que a Constituição de 1988 produziu não é viável. Não é possível conduzir o
Brasil, especialmente num sistema partidário fragmentado, com
as regras eleitorais adotadas após
o regime militar. O mais importante são mudanças estruturais,
como uma revisão da Lei Eleitoral
que fortaleça os partidos políticos.
Isso não é tão fácil de fazer, tem sido muito discutido, mas essa é a
raiz das dificuldades do presidente em tentar usar suborno para assegurar votos na Câmara.
A situação no curto prazo obviamente é muito séria. Lula foi o
primeiro operário eleito, foi uma
mudança dramática na estrutura
social no país. E a reviravolta é
que sua habilidade para lidar com
o sistema é inadequada. Lula se
mostrou alguém muito bom de
campanha, não um bom administrador. A única sugestão que
ouvi que me parece razoável é de
os principais partidos de oposição
concordarem em permitir que
Lula permaneça na Presidência,
mas realmente isolá-lo e deixar o
Brasil governar a si mesmo.
Acredito que Lula não está interessado nos detalhes da administração, portanto pode ser perfeitamente possível deixá-lo continuar com funções cerimoniais,
das quais realmente gosta, as viagens, encontros com outros governos, e permitir que o governo
continue a gravitar em torno de
pessoas apropriadas como Palocci, que deve ser a única pessoa a
sobreviver ao problema. Não sei
se Lula vai precisar concordar ou
se vai simplesmente acontecer,
chegar a um ponto em que todos
decidam que ele é o presidente
que nunca houve, um fantasma.
Claro que haverá a desintegração do PT. Restará algum pequeno grupo de idealistas, e haverá a
tragédia pessoal de Lula, o qual,
acredito, não entende realmente o
que está acontecendo no Brasil ou
com ele. Acabou que ele se mostrou com uma visão muito cínica
da política brasileira, presumindo
que todos os políticos aceitam suborno o tempo todo, então o que
estavam fazendo não era nada de
anormal. O problema é que a sociedade brasileira não concorda e
quer mudar isso. Lula provavelmente perdeu sua capacidade de
conduzir o país. Ele será agora
uma figura decorativa, um presidente que ninguém vê porque está se encontrando com estrangeiros. O importante nisso tudo, e
deve ser enfatizado, é o fato de a
economia brasileira estar indo
muito bem. Vem tendo um sucesso sensacional em coisas como
exportações, produção industrial.
Folha - Essa tese de Lula assumir
uma postura figurativa, então, já
vem acontecendo.
Skidmore - Certo. Seria legitimar
o que já vem acontecendo. Lula
não seria submetido a um impeachment como [Fernando]
Collor. Porque Collor era um ser
humano muito diferente: era moralmente bastante suspeito. Lula
não é, mas está caindo no sistema,
parcialmente por inexperiência e
pelas dificuldades de fazê-lo funcionar. Realmente me parece que
a única saída seria essa. Com os
políticos se acalmando, haveria
mais tempo para importantes políticas econômicas e administração do país. E Deus sabe que há
problema suficiente nisso.
Folha - Como figura decorativa
Lula também não seria preservado
de críticas necessárias?
Skidmore - Sim, mas não vale a
pena fazer as críticas. Sua imagem
no país, na sociedade brasileira,
está prejudicada sem possibilidade de conserto. Não pode retomar
o controle sobre a administração.
Ele já se foi. O que todos têm que
se concentrar agora é numa forma de conduzir o país, dado o fato
de que o presidente é um homem
oco. É um verdadeiro fantasma.
Folha- Qual o impacto dessa situação na democracia brasileira?
Skidmore - O Brasil é um país
muito orientado pelas elites. O
que isso vai fazer é dar força ao
processo de colocar a política e o
poder nas mãos de pessoas muito
experientes, como Fernando
Henrique Cardoso. Ele é o exemplo perfeito. Alguém bem nascido, com muita experiência, que
fala vários idiomas. São pessoas
assim que sabem conduzir o país.
A sociedade não vai mais votar
em um populista como Lula. Vai
voltar às pessoas mais seguras,
que não representam o país, mas
uma apenas uma pequena classe.
Folha - A crise elimina uma alternativa ao status quo?
Skidmore - Está certo. Por isso
acredito que é preciso repensar
cuidadosamente a Lei Eleitoral e
as regras para o Parlamento. Porque isso não é apenas uma tragédia pessoal ou do partido, também é a falência da Constituição
de 1988. Esta foi a Constituição
mais cuidadosamente escrita na
história do Brasil, e olha que foram muitas. Agora, em alguns aspectos, em particular sobre o
Congresso, ela é impraticável. Então, temos uma tragédia ainda
maior, que é a da democracia incapaz de se estabelecer de forma
plena. Esta é a primeira grande
crise política no Brasil desde 1995
que não está ligada à balança de
pagamentos. Antes, sempre houve problemas de pressão de credores externos que forçavam mudanças para o pagamento da dívida. Neste caso, o PT está de fato
pagando a dívida, em vez de fazê-la crescer, fazendo com que a crise
tenha uma dimensão bem diferente e, de alguma maneira, seja
algo mais fácil de se lidar. Isso dá
otimismo e as bases para que Lula
continue como um tipo de figura
decorativa e tenha a administração do país voltada para as elites.
Folha - A preservação da economia ajuda Lula a lidar com a crise.
Skidmore - Essa é outra razão
pela qual os partidos de oposição
estão perfeitamente felizes deixando ele se manter como figura
decorativa. Ele não tentou tomar
decisões radicais, como grandes
aumentos no salário mínimo.
Folha - O PT levou 20 anos para se
consolidar como alternativa. Não
parece haver outros personagens
hoje com essa característica. Há um
vácuo na política nacional?
Skidmore - Isso é bem verdade.
Provavelmente haverá alguns líderes do PT se juntando e tentando criar um novo partido, livre
dos pecados do antigo, e adotará
uma posição de esquerda. Mas será muito difícil, porque diversos
processos diferentes precisam
acontecer ao mesmo tempo no
sistema político. Sua preocupação
deve ser com a capacidade do sistema político como um todo,
quanta capacidade ele tem para se
curar da crise. Outra vantagem
neste caso é que o público brasileiro não está em um clima de rebeldia. Não é como em 1954, com
Getúlio, ou mesmo com Collor.
Folha - Como ocorrerá o rearranjo
das forças políticas?
Skidmore - O que é impressionante é que há muito poucas
idéias novas na esquerda. Um dos
grandes problemas é esse. O tipo
da coisa que havia sido fomentada pelo PT e pelo Fórum Social
Mundial em Porto Alegre foi muito superficial. Não representava
um claro entendimento do mecanismo da civilização moderna industrial. Um problema que existe
em todo o Ocidente, a ausência de
idéias. Essa será uma dois coisas
interessantes a se perceber, que
idéias estão emergindo para a formação de novos partidos.
Folha- Como o sr. vê as ameaças
contra Palocci?
Skidmore- Justiça é um animal
curioso no Brasil, como é nos Estados Unidos. Nunca se sabe
quando uma acusação vai pegar.
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