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ELEIÇÕES NA TV
A barbárie muito além da TV
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DO PAINEL
A eleição municipal em
São Paulo está acirrada
como há muito não se via. A três
dias do primeiro turno, o quadro é muito indefinido. Que
Marta Suplicy vai para o segundo turno é algo de que pouca
gente duvida. Contra quem é
impossível saber e temerário arriscar um palpite.
Tomando em conjunto a candidatura petista mais as quatro
com chances reais de enfrentá-la, é possível dizer que quase todo o espectro político está em
disputa no pleito paulistano.
A direita de sempre se apresenta dividida entre duas candidaturas. O centro neoconservador tem o seu representante. E
há uma quarta opção que procura aparecer como sendo ao
mesmo tempo mais popular e
menos radical que a da petista.
Sem partido forte, sustentada
por uma coalizão esquisita, a
polarização de Erundina é antes
social do que política.
De toda forma, não será por
falta de alternativas que alguns
eleitores preferirão anular o voto. Haveria, pois, motivos de sobra para festejar a vitória da democracia. Será mesmo o caso?
Costumamos, não sem razão,
atribuir a despolitização da
campanha ao formato da propaganda eleitoral na TV, que,
seguindo as receitas do marketing, transforma os candidatos
em pouco mais que bibelôs de
prateleira. Slogans eficazes, frases de efeito, tendência ao sentimentalismo ou ao sensacionalismo dão às campanhas um ar
de extrema boçalidade.
O que se vê na TV, no entanto,
é uma espécie de horário nobre
da política diante das atrocidades que os publicitários tratam
de veicular pelo rádio, destinadas à maioria pobre. Ainda piores, na escala da selvageria, são
as mobilizações de rua dos candidatos.
Os chamados showmícios, expressão recente, porém central,
do repertório democrático, costumam ser programas de auditório improvisados na periferia.
Partidos atraem as massas
atulhando o palco horas a fio
com rappers, pagodeiros e assemelhados. Como se fossem apresentadores de TV ou os donos do
programa, os candidatos encerram o show aos berros, com obviedades, palavras de ordem e
promessas vazias. São coadjuvantes no circo.
Quanto mais ignorante a audiência, pior o espetáculo. Tomem-se como exemplos dois
episódios recentes, escolhidos
arbitrariamente, ambos ocorridos em Cidade Tiradentes, um
desses buracos miseráveis da periferia.
O primeiro é a seguinte faixa
anunciando um showmício do
candidato tucano: "Caravana
do Gugu. Presença de Geraldo
Alckmin". O segundo, talvez
mais grave, é um evento idêntico de Romeu Tuma no mesmo
bairro, domingo passado, cujo
ponto alto consistia no sorteio,
entre os populares, das meninas
que teriam o direito de ir ao camarim para conhecer e ter o direito de beijar Netinho, o pagodeiro contratado da campanha.
Acotoveladas em frente ao palco, as moças, batizadas pelo
apresentador de "princesinhas
da noite", urram na esperança
de serem escolhidas. Algo em comum com Hebe Camargo ou filhotes do gênero?
Pouca coisa dessa realidade
bruta e brutalizante chega à TV
ou aparece nos jornais. O teatro
do programa eleitoral revela-se,
afinal, quase inofensivo diante
do que frutifica à sua margem.
A lógica de massa da TV, quando extrapolada para além de
seus limites, produz monstros
inomináveis -e são eles, muitas vezes, que decidem as eleições.
Mais do que um simples trunfo da direita, sempre mais à
vontade e competente no uso e
abuso desses artifícios, é a democracia que rende homenagens à barbárie.
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