São Paulo, quinta-feira, 28 de setembro de 2000

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ELEIÇÕES NA TV
A barbárie muito além da TV

FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DO PAINEL

A eleição municipal em São Paulo está acirrada como há muito não se via. A três dias do primeiro turno, o quadro é muito indefinido. Que Marta Suplicy vai para o segundo turno é algo de que pouca gente duvida. Contra quem é impossível saber e temerário arriscar um palpite.
Tomando em conjunto a candidatura petista mais as quatro com chances reais de enfrentá-la, é possível dizer que quase todo o espectro político está em disputa no pleito paulistano.
A direita de sempre se apresenta dividida entre duas candidaturas. O centro neoconservador tem o seu representante. E há uma quarta opção que procura aparecer como sendo ao mesmo tempo mais popular e menos radical que a da petista. Sem partido forte, sustentada por uma coalizão esquisita, a polarização de Erundina é antes social do que política.
De toda forma, não será por falta de alternativas que alguns eleitores preferirão anular o voto. Haveria, pois, motivos de sobra para festejar a vitória da democracia. Será mesmo o caso?
Costumamos, não sem razão, atribuir a despolitização da campanha ao formato da propaganda eleitoral na TV, que, seguindo as receitas do marketing, transforma os candidatos em pouco mais que bibelôs de prateleira. Slogans eficazes, frases de efeito, tendência ao sentimentalismo ou ao sensacionalismo dão às campanhas um ar de extrema boçalidade.
O que se vê na TV, no entanto, é uma espécie de horário nobre da política diante das atrocidades que os publicitários tratam de veicular pelo rádio, destinadas à maioria pobre. Ainda piores, na escala da selvageria, são as mobilizações de rua dos candidatos.
Os chamados showmícios, expressão recente, porém central, do repertório democrático, costumam ser programas de auditório improvisados na periferia.
Partidos atraem as massas atulhando o palco horas a fio com rappers, pagodeiros e assemelhados. Como se fossem apresentadores de TV ou os donos do programa, os candidatos encerram o show aos berros, com obviedades, palavras de ordem e promessas vazias. São coadjuvantes no circo.
Quanto mais ignorante a audiência, pior o espetáculo. Tomem-se como exemplos dois episódios recentes, escolhidos arbitrariamente, ambos ocorridos em Cidade Tiradentes, um desses buracos miseráveis da periferia.
O primeiro é a seguinte faixa anunciando um showmício do candidato tucano: "Caravana do Gugu. Presença de Geraldo Alckmin". O segundo, talvez mais grave, é um evento idêntico de Romeu Tuma no mesmo bairro, domingo passado, cujo ponto alto consistia no sorteio, entre os populares, das meninas que teriam o direito de ir ao camarim para conhecer e ter o direito de beijar Netinho, o pagodeiro contratado da campanha. Acotoveladas em frente ao palco, as moças, batizadas pelo apresentador de "princesinhas da noite", urram na esperança de serem escolhidas. Algo em comum com Hebe Camargo ou filhotes do gênero?
Pouca coisa dessa realidade bruta e brutalizante chega à TV ou aparece nos jornais. O teatro do programa eleitoral revela-se, afinal, quase inofensivo diante do que frutifica à sua margem. A lógica de massa da TV, quando extrapolada para além de seus limites, produz monstros inomináveis -e são eles, muitas vezes, que decidem as eleições.
Mais do que um simples trunfo da direita, sempre mais à vontade e competente no uso e abuso desses artifícios, é a democracia que rende homenagens à barbárie.


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