São Paulo, Quinta-feira, 28 de Outubro de 1999
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CELSO PINTO
Alemanha: do Leste para o Leste

Leipzig - Reudnitz é a única grande cervejaria de Leipzig, maior centro industrial da antiga Alemanha Oriental, que sobreviveu à reunificação. Fundada em 1862, ela foi vendida para uma grande cervejaria de Dortmund (cidade da Alemanha Ocidental) e passou por uma enorme transformação.
Em 89, ainda no regime comunista, empregava 600 trabalhadores e produzia 450 mil hectolitros por ano. Hoje, emprega 170 e produz 800 mil hectolitros.
Toda a cúpula da antiga Reudnitz foi demitida, exceto Joachen Deinert, hoje gerente da fábrica, porque, como ele explica, "eu não era filiado ao partido comunista". Em 89, a fábrica usava carvão e despejava 6 milhões de toneladas de cinzas no ar, a cada ano. Hoje usa gás e é ecologicamente limpa.
Era uma cervejaria obsoleta; hoje é toda computadorizada e a de maior produtividade do grupo. Da linha de montagem, na zona central de Leipzig, saem 1 milhão de garrafas por hora, controladas por apenas cinco funcionários por turno.
A Reudnitz é um retrato do que aconteceu no Leste após a reunificação, para o bem e para o mal. Foi há exatos dez anos, em outubro de 89, nas manifestações de massa na praça de Leipzig, que o regime do Leste começou a cair.
Bebidas e alimentação foram alguns dos poucos ramos onde algumas antigas empresas do Leste conseguiram sobreviver, depois de vendidas a grupos ocidentais. O resto virou sucata.
Mesmo no ramo de cervejas, onde existem 1.350 fábricas na Alemanha, houve um colapso. A Alemanha Oriental produzia 24 milhões de hectolitros por ano (a Alemanha como um todo produz 115 milhões). Em 90-91, logo depois da reunificação, a produção no Leste caiu para 7 milhões de hectolitros. Ano passado, chegou a 12 milhões, lembra Deinert.
Quem sobreviveu recebeu investimentos e aumentou muito a produtividade. Só que, no processo, sumiram produção e empregos e a recuperação tem sido dolorosamente lenta.
Leipzig, que tem a mais antiga feira comercial do mundo, desde o século 12, era e continua sendo o principal centro produtivo do Leste, seguido pela cidade de Dresden. Nas contas de Harald Lehman, da Câmara de Comércio e Indústria de Leipzig, na região desapareceram 72% dos empregos industriais, entre 91 e 98, caindo de 136 mil para 38 mil.
Mudou muito o perfil da economia do Leste. Em Leipzig, o número de empresas do setor terciário mais do que triplicou, de 4.300 para 14.350. Os empregos no setor de serviços subiram de 30% para 41% do total, enquanto na indústria caíram de 46% para 20%. O número de empresas comerciais saltou de 10 mil para 13 mil.
A situação de emprego, contudo, é muito ruim. Em todo o Estado da Saxônia, onde está Leipzig, o desemprego chegou a 18,8% em 98. Nos cinco estados do Leste, depois de dez anos de transferências do Oeste de US$ 55 bilhões, o desemprego hoje é de 17,2%, enquanto no Oeste é praticamente a metade, 8,3%. Dos 3,950 milhões de desempregados hoje na Alemanha, 1,3 milhão está no Leste. Em 91, logo depois da reunificação, eram 800 mil desempregados; em janeiro do ano passado, chegou ao pico de 1,6 milhão.
Uma esperança está no setor de serviços. Dresden conseguiu atrair uma fábrica de componentes de computadores da Siemens e sonha em virar um centro de informática. Leipzig atraiu 70 instituições financeiras e é hoje o segundo maior centro financeiro alemão, depois de Frankfurt.
O desejo é transformar a região num centro de novas tecnologias ligadas à informática, biotecnologia e eletrônica, diz Ulrich Kromer von Baerle, diretor-gerente da importante Feira de Leipzig. A própria feira teve que se adaptar aos novos tempos.
No regime comunista, a Feira de Leipzig era o maior "show-room" do Leste. Em duas enormes exibições anuais, era o grande ponto de contato comercial entre Leste e Oeste. Hoje, faz 30 exposições menores por ano, no magnífico novo recinto inaugurado em 1996, com 102 mil metros quadrados e instalações moderníssimas. Com 1 milhão de visitantes por ano, a feira vai indo bem, mas tem que buscar nichos para sobreviver no competitivo mercado de promoções de feiras.
A grande esperança de Von Baerle continua voltada para o Leste. Se e quando a União Européia incorporar os velhos países do Leste, como Polônia, República Tcheca e Hungria, Leipzig estará numa posição estratégica para ser, outra vez, a ponte com o Oeste.
Não deixa de ser uma enorme ironia. Dez anos depois de ter reencontrado o Ocidente, uma das grandes oportunidades da antiga Alemanha Oriental continua sendo o Leste.


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