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JANIO DE FREITAS
A limpeza
Caso se façam mesmo as investigações já prometidas,
para apurar a prática de extorsões por integrantes de CPIs municipais, estaduais e federais,
desse destrinchar da corrupção
política podem advir acontecimentos mais saneadores e inovadores da vida pública brasileira
do que foi a queda de Collor, logo
represada ali mesmo. Não há assunto mais importante, neste
momento, do que a possibilidade
de iniciar-se tal investigação,
que, se levada ao ponto necessário, seria como a descoberta do
Brasil atual pelos brasileiros.
São relativamente poucos os
que têm noção das extensões alcançadas pela corrupção na política e na administração. Fácil é
imaginar as resistências a investigações. Mas hoje existe pelo menos o primeiro passo, ou quase
um passo, que é a disposição de
promotores do Rio de examinar
as alterações patrimoniais de ao
menos 184 políticos fluminenses.
Incluídos todos os que passaram
pela Câmara de Vereadores carioca desde 1998 e vários deputados estaduais e parlamentares federais. Não é que todos deixassem rastros suspeitos, mas sem
repassar o todo não haveria a separação de joio e trigo.
A possibilidade da investigação
é o desdobramento local, no Rio,
da denúncia feita pelo empresário de jogos a dinheiro Carlos Ramos, o Carlinhos Cachoeira, que
revelou as atividades oficiosas de
Waldomiro Diniz. Como, porém,
a nova acusação recai sobre o deputado federal André Luiz
(PMDB-RJ), a Câmara dos Deputados está compelida a realizar sua própria linha de investigação. Também aí, o inquérito
sobre André Luiz já leva, portanto, a extensões não apenas fluminenses. Casos CPIs, por exemplo,
como querem os deputados Paulo Lima e Luciano Zica.
André Luiz aparece em uma
gravação, a apresentada na "Veja", propondo a Carlos Cachoeira o pagamento de R$ 4 milhões
para livrar-se da CPI das Loterias, na Câmara Municipal do
Rio. Como foi explícita, a distribuição do dinheiro não beneficiaria só vereadores, mas um
grupo com representação até no
Senado, além da Câmara. Aí está, portanto, outra extensão possível das investigações, à margem
de CPIs federais.
A propósito de Senado e Câmara, ainda há pouco recaíram pesadas suspeitas sobre a CPI do
Banestado, em razão da populosa lista de convocações pretendidas, cujas centenas de depoentes,
se de fato convocados, levariam
as audiências por anos incontáveis. As CPIs dos Combustíveis,
da Pirataria, e tantas outras, ou
estiveram sob acusações diretas e
claras ou deixaram suspeitas
inapagadas.
Tudo isso, no entanto, é apenas
a ponta da linha. Lembra Luciano Zica sua manifestada estranheza com as repetidas indicações de um grupo de parlamentares para compor CPIs, o que o
levou à proposta, ainda sem conseqüência, de designação por sorteio. A preferência obtida pelo
grupo repetitivo já leva a outra
implicação: suas indicações são
feitas pelos líderes de bancada, e
a repetição das indicações não é
pouco suspeita.
Nenhuma das CPIs é alheia,
nos fatos que as motivam, a alguma relação com o Executivo, seja
municipal, estadual ou federal (a
CPI das Loterias, denunciada
por Carlinhos Cachoeira, envolve
os três níveis). As salvações, os
desvios, as omissões e demais
marotagens, que nelas possam
ocorrer, com freqüência servem
para acobertar também setores
corrompidos de governo. E, então, investigar ações de parlamentares deve ser, muitas vezes,
investigar também ações e inações do Executivo. Afinal, não há
o corruptor sem o corrompido.
Carlos Cachoeira diz ter mais
acusações e documentos a exibir.
Se praticou as ilegalidades que
lhe atribuem, inclusive na CPI
que denunciou, em contrapartida não há dúvida de que já prestou dois serviços inestimáveis,
com a fita de Waldomiro e com a
fita de André Luiz. Esperamos
por mais.
O efeito de uma limpeza na vida política seria o que não virá
sem ela: um país novo.
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