São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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JANIO DE FREITAS

A limpeza

Caso se façam mesmo as investigações já prometidas, para apurar a prática de extorsões por integrantes de CPIs municipais, estaduais e federais, desse destrinchar da corrupção política podem advir acontecimentos mais saneadores e inovadores da vida pública brasileira do que foi a queda de Collor, logo represada ali mesmo. Não há assunto mais importante, neste momento, do que a possibilidade de iniciar-se tal investigação, que, se levada ao ponto necessário, seria como a descoberta do Brasil atual pelos brasileiros.
São relativamente poucos os que têm noção das extensões alcançadas pela corrupção na política e na administração. Fácil é imaginar as resistências a investigações. Mas hoje existe pelo menos o primeiro passo, ou quase um passo, que é a disposição de promotores do Rio de examinar as alterações patrimoniais de ao menos 184 políticos fluminenses. Incluídos todos os que passaram pela Câmara de Vereadores carioca desde 1998 e vários deputados estaduais e parlamentares federais. Não é que todos deixassem rastros suspeitos, mas sem repassar o todo não haveria a separação de joio e trigo.
A possibilidade da investigação é o desdobramento local, no Rio, da denúncia feita pelo empresário de jogos a dinheiro Carlos Ramos, o Carlinhos Cachoeira, que revelou as atividades oficiosas de Waldomiro Diniz. Como, porém, a nova acusação recai sobre o deputado federal André Luiz (PMDB-RJ), a Câmara dos Deputados está compelida a realizar sua própria linha de investigação. Também aí, o inquérito sobre André Luiz já leva, portanto, a extensões não apenas fluminenses. Casos CPIs, por exemplo, como querem os deputados Paulo Lima e Luciano Zica.
André Luiz aparece em uma gravação, a apresentada na "Veja", propondo a Carlos Cachoeira o pagamento de R$ 4 milhões para livrar-se da CPI das Loterias, na Câmara Municipal do Rio. Como foi explícita, a distribuição do dinheiro não beneficiaria só vereadores, mas um grupo com representação até no Senado, além da Câmara. Aí está, portanto, outra extensão possível das investigações, à margem de CPIs federais.
A propósito de Senado e Câmara, ainda há pouco recaíram pesadas suspeitas sobre a CPI do Banestado, em razão da populosa lista de convocações pretendidas, cujas centenas de depoentes, se de fato convocados, levariam as audiências por anos incontáveis. As CPIs dos Combustíveis, da Pirataria, e tantas outras, ou estiveram sob acusações diretas e claras ou deixaram suspeitas inapagadas.
Tudo isso, no entanto, é apenas a ponta da linha. Lembra Luciano Zica sua manifestada estranheza com as repetidas indicações de um grupo de parlamentares para compor CPIs, o que o levou à proposta, ainda sem conseqüência, de designação por sorteio. A preferência obtida pelo grupo repetitivo já leva a outra implicação: suas indicações são feitas pelos líderes de bancada, e a repetição das indicações não é pouco suspeita.
Nenhuma das CPIs é alheia, nos fatos que as motivam, a alguma relação com o Executivo, seja municipal, estadual ou federal (a CPI das Loterias, denunciada por Carlinhos Cachoeira, envolve os três níveis). As salvações, os desvios, as omissões e demais marotagens, que nelas possam ocorrer, com freqüência servem para acobertar também setores corrompidos de governo. E, então, investigar ações de parlamentares deve ser, muitas vezes, investigar também ações e inações do Executivo. Afinal, não há o corruptor sem o corrompido.
Carlos Cachoeira diz ter mais acusações e documentos a exibir. Se praticou as ilegalidades que lhe atribuem, inclusive na CPI que denunciou, em contrapartida não há dúvida de que já prestou dois serviços inestimáveis, com a fita de Waldomiro e com a fita de André Luiz. Esperamos por mais.
O efeito de uma limpeza na vida política seria o que não virá sem ela: um país novo.


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