São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2004

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FERVURA SOCIAL

Serviços de inteligência projetam cenário de acirramento em 2005

Governo prevê mais focos de tensão no campo e na cidade

IURI DANTAS
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No momento em que o governo Luiz Inácio Lula da Silva sofre contestações de ordem política e social, vindas de aliados e de adversários, seus órgãos de inteligência trabalham com cenários de acirramento das tensões no campo e nas cidades para 2005.
As principais preocupações dizem respeito às ações de sem-terra e de sem-teto, mobilizações indígenas, greves de policiais, reajuste salarial de militares, recrudescimento da guerra entre traficantes e até a possibilidade de surgirem dificuldades no escoamento da safra 2004/2005, no caso de uma greve de caminhoneiros.
A conjunção desses fatores é vista com preocupação na Polícia Federal, na Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e na Saei (Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais), os dois últimos ligados ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
Segundo o jargão, o alerta de crise fez acender uma "luz amarela" nos círculos da inteligência do governo. Na semana passada, houve alguns sinais incipientes registrados em protestos de estudantes e sem-terra em Brasília. O aumento de 10% do diesel na refinaria, autorizado sexta-feira pela Petrobras, também projeta mais insatisfação dos caminhoneiros.
Também na semana passada, o governo teve uma amostra do radicalismo dos sem-terra, tanto nas ações, como a invasão à sede nacional do Incra, na qual quebraram portas e vidraças, como nos discursos, quando atacaram a política econômica do governo e pediram a saída de ministros, durante encontro em Brasília.

Demandas reprimidas
As ameaças de crise levam em conta a demanda reprimida de setores historicamente ligados à trajetória do PT e às promessas feitas por Lula na campanha eleitoral de 2002. Um dos exemplos mais conhecidos é o ritmo lento da reforma agrária que vem sendo implementada pela atual equipe.
O quadro também se agrava devido à insuficiência de recursos do governo federal para controlar as fronteiras brasileiras, desapropriar terras e conceder reajustes para o funcionalismo. Preocupa os órgãos de inteligência a possibilidade de uma nova greve da PF e nas polícias estaduais.
As dificuldades atingem até mesmo o levantamento de informações. Sem pessoal e mobilidade suficientes para monitorar todo o território, a Abin tenta obter ajuda da PF e das Forças Armadas. A agência possui cerca de 1.700 homens no quadro.
"O governo, diante disso, tem de cumprir as suas metas e aparelhar seus órgãos. Além disso, precisa agir imediatamente nos momentos de acirramento, com agilidade para dar uma resposta rápida e transparente às reivindicações", afirma o ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
Nesta semana, a Abin reúne todos os diretores, coordenadores e chefes de escritórios dos Estados para elaborar seu planejamento para o ano que vem, com base nesse cenário. Ainda no mês de dezembro, as Forças Armadas e a PF farão o mesmo, em conjunto com alguns diretores da Abin.
Internamente, segundo a Folha apurou, a avaliação feita pela agência indica que a Presidência da República tende a ficar preservada dos conflitos e tensões. Para os analistas da Abin, o governo promoveu uma blindagem de Lula, contra choques na economia e demandas sociais.

Militares
Entre os militares, há dois aspectos em consideração: um novo capítulo sobre o reajuste salarial e a reestruturação das Forças Armadas, que poderá assegurar a presença de soldados nas ruas como complemento na segurança.
Neste ano, o governo concedeu um aumento de 10% aos militares e terá de negociar uma segunda parcela no primeiro trimestre de 2005 -os militares pedem outros 23%, mas a restrição fiscal impediu o governo de se comprometer com o índice até agora.
Há alguns meses, o processo de negociação desgastou governo e comandos das Forças. Familiares de militares, principalmente de recrutas, vestiram-se de preto e fizeram protestos nas ruas, ato interpretado como uma provocação aos comandos.
A reestruturação das Forças Armadas, na prática, está diretamente ligada a eventuais investidas do Exército em ações urbanas, em casos de greves de policiais ou de auxílio na segurança pública dos Estados.
Ou seja, um clima de insatisfação entre militares tornaria ainda mais difícil concretizar a aspiração do governo de fazer grandes operações conjuntas. Planeja-se para o próximo ano ações de maior fiscalização nas fronteiras, de modo a estrangular rotas de entrada de drogas no país.
A PF estabeleceu o combate ao narcotráfico como prioridade para 2005, mas só poderá agir em harmonia com Estados, que reprimiriam o maior número de embates entre traficantes com a queda no fornecimento de drogas, e militares, os responsáveis pelo incremento na fiscalização de fronteiras.


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