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CELSO PINTO
A herança do terremoto argentino D omingo Cavallo, o presidente virtual da Argentina,
passou no primeiro teste, que era
vencer o pânico de curtíssimo
prazo. O cenário de ruptura foi
adiado, embora persistam enormes incertezas. Lá, como aqui, o
terremoto deixou sequelas. É
uma boa hora de fazer as contas.
Há uma semana, o mercado
considerava quase inevitável
uma renegociação da dívida argentina e muito provável uma
ruptura cambial. A necessidade
de recursos da Argentina em
março somou vencimentos de
médio e longo prazo de US$ 2,3
bilhões mais uns US$ 700 milhões
de déficit público. Em abril, os
vencimentos caem para US$ 900
milhões e o déficit continuará em
torno de US$ 600 milhões. Em
maio, os vencimentos sobem para US$ 1,8 bilhão e o déficit deve
continuar em US$ 600 milhões.
A Argentina recebeu US$ 5 bilhões do FMI no primeiro trimestre, o que ajudou a fechar as contas, mas só tem a receber do fundo, agora, US$ 1,3 bilhão em
maio. Tão importante quanto o
sinal verde do Congresso argentino em relação ao plano de Cavallo seria alguma indicação de
acordo com os bancos credores e
o Tesouro americano. O FMI
olhou com desconfiança para a
porção heterodoxa do plano Cavallo (mais proteção tarifária),
mas, oficialmente, falou bem. Pode dar sinal verde ao plano, mas
não vai acelerar desembolsos.
Se houver apoio financeiro externo, do Tesouro e dos bancos,
Cavallo ganhará tempo para
tentar provar que o país pode
voltar a crescer e pagar suas contas. Com um prêmio de risco
("spread") acima de 700 pontos,
ninguém acha que as contas fecham. No pânico, o prêmio superou mil pontos. Hoje está mais
próximo do limite do viável, mas
ainda longe de um nível que indique confiança.
O terremoto argentino foi agravado, no Brasil, por coincidir
com o aumento de 0,5 ponto percentual no juro básico (Selic). A
intenção do Banco Central era
fazer um ajuste fino. A aceleração da economia mais a piora do
cenário externo haviam colocado
pressão sobre o câmbio, que poderia se transformar em pressão
inflacionária. O BC queria mostrar que estava alerta e não deixaria a pressão via câmbio continuar indefinidamente. Incomodava o BC a assimetria na percepção do mercado: a maioria
imaginava que os juros só poderiam ir para baixo e, portanto,
era mais provável que o câmbio
fosse para cima.
O BC trombou com um mercado em pânico, pela Argentina e
pelos Estados Unidos, e o aumento do juro foi lido de outra forma.
Em vez de ajuste fino, o mercado
entendeu como o início de uma
forte escalada no juro, empurrada por fatores externos.
O salto nos juros gerou prejuízos contábeis imediatos para
muitas instituições. Os modelos
de risco mais usados obrigam as
instituições a zerar seu prejuízo
potencial (e transformá-lo em
prejuízo real), a partir de uma
variação mais forte, como ocorreu na última quinta-feira. Muita gente foi zerar sua posição no
mercado de juros ou de câmbio,
pressionando ainda mais estes
mercados e levando mais instituições a ter que zerar prejuízos.
A consequência foi uma corrida
para "stop-loss" que levou a um
exagero na alta, depois parcialmente corrigido.
O lado bom do salto nos juros
foi que o BC, com um pequeno
aumento da taxa básica (que incide sobre a dívida pública), conseguiu elevar bastante toda a
curva de juros e empurrar as empresas na direção que queria:
mais cautela nos gastos e mais estímulo para tomar dólares. O lado ruim é que as perdas de quem
tinha papéis prefixados vão atrasar dois movimentos importantes, mas lentos, de melhora na dívida mobiliária: o alongamento
de prazos e a redução da parcela
indexada à Selic ou ao dólar. Essa indexação faz com que quase
dois terços da dívida reflita automaticamente qualquer desvalorização ou aumento de juro e diminui a eficácia da política monetária.
Em fevereiro, já havia piorado
a composição da dívida. A fatia
indexada à Selic cresceu de 51,2%
para 51,5%; a indexada ao câmbio subiu de 21,6% para 22,4%; e
a prefixada, mais eficiente para a
política monetária, caiu de 16%
para 14,4%. Em março e nos próximos meses, o estrago deve ser
maior.
Rubens Sardenberg, secretário-adjunto do Tesouro, queria vender de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões
de títulos prefixados em março.
Não conseguiu, nem deverá conseguir rolar a maior parte dos R$
8,5 bilhões que vencem em títulos
prefixados em abril (vence também R$ 1,5 bilhão em títulos pós-fixados). Ele admite que todo o
esforço recente para ampliar o
prazo dos títulos prefixados para
18 e 24 meses, deve sofrer um retrocesso.
Até maio, ele quer operar com
cautela. Não vai forçar uma venda maior de títulos prefixados, se
para isso for preciso aceitar juros
altos demais, ou prazos muito
curtos. Se o preço for esse, ele prefere piorar um pouco mais a
composição da dívida, vendendo
mais pós-fixados. Mas ainda
considera viável ficar dentro do
pior dos três cenários divulgados
pelo Tesouro para o ano, em que
a dívida apenas do Tesouro terminaria 2001 com 15,8% do total
em títulos prefixados e 46,5% em
pós (os títulos cambiais são de
responsabilidade do BC e aumentaram em março com a crise).
Parte do custo fiscal da pressão
externa também foi pago em fevereiro. A dívida líquida do setor
público subiu de 49,2% para
49,9% do PIB, por conta da desvalorização de 3,8% no câmbio.
Como em março a desvalorização cambial deve ser maior do
que esta e o juro subiu 0,5 ponto,
o impacto fiscal deve ser maior
(um banco estima que a dívida
líquida chegue até a 50,8% em
março).
Não é pouco, considerando que
este não será o custo de um cenário de ruptura argentina. Vários
bancos calcularam que, com ruptura na Argentina, o juro básico
aqui teria que subir para algo entre 19% e 23%, o que obrigaria a
cortes fiscais de, no mínimo, de
2% a 3% do PIB. O que o ensaio
de crise mostrou é que o Brasil,
com estoques de dívida interna e
de passivo externo ambos acima
de 50% do PIB, está mais vulnerável do que Brasília gosta de admitir.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
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