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São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 2003

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JANIO DE FREITAS

O neo-autoritarismo

Ao serem convidados para os seus cargos, os ministros -exceto só Antonio Palocci e talvez Guido Mantega- não foram informados de que o governo adotaria uma política econômica contrária a tudo o que justificara a vitória oposicionista de Luiz Inácio Lula da Silva e não lhes seriam entregues nem os recursos, já escassos, autorizados pelo Orçamento aprovado no Congresso com os votos também do PT. Todos assumiram portando planos entusiasmantes.
Não é preciso especular se houve, ali, certa deslealdade. Outro caminho é suficiente. É o das implicações da realidade surpreendente sobre cada um dos convidados e nomeados. É uma obviedade que a reputação de um ministro é feita pelo seu desempenho no ministério, a ponto de que, muitas vezes, seja decisiva para o futuro da sua carreira de político ou de técnico. E que o desempenho não depende só do ministro e de sua equipe, mas das condições proporcionadas e das circunstâncias.
Logo, reivindicar condições para ação producente começa por ser um dever de todo administrador público e termina por ser um direito pessoal. Não no governo liderado pelo PT. Deles é explicitamente exigido que calem suas reivindicações e mesmo as ansiedades pelo papel decepcionante que ofereçam. Por mais tênue que seja, a desobediência pode expor a uma repreensão deplorável como a de Lula ao ministro Cristovam Buarque, que não expôs nem um centésimo do descaso deliberado para com o Ministério da Educação. Se Cristovam Buarque, como disse Lula, não sabe que "apressado come cru", Lula não mostra perceber que, em país de urgências, quem não tem pressa faz, no máximo, demagogia.
O falatório de um recurso judicial da senadora Heloísa Helena e do deputado Lindberg Farias contra a taxação de inativos é, de fato, um excesso provocativo. Mas aos parlamentares que discordam com seriedade, por convicção e por coerência, de certas intenções do governo, não poderiam ser dirigidos os comentários e ameaças desrespeitosos e arrogantes que os têm atingido. A menos que o partido que mais se opôs ao regime autoritário fardado esteja, agora, criando o neo-autoritarismo.
Para satisfazer a imagem de homem de esquerda que José Genoino faz si, pode-se dizer que a prepotência e o vocabulário com que a expõe sugerem um neostalinista. Mas, sem tal condescendência, sua pretensão autoritária só pode sugerir condutas muito próprias da pior direita. E seu exemplo já produziu um discípulo, na figura neófita do senador Tião Viana.
Lula se propõe a conversar com os ministros, com os parlamentares e com outros petistas sobre as reformas como o governo as deseja. Mas já está bastante que claro que não vai para ouvir, para ponderar as suas e as opiniões diferentes. Lula, que tem dado a concluir, não ouve mais. É um grande vitorioso, e os outros não são mais do que simples vitoriosos, se chegam a isso. A verdade, então, só pode ser a sua, mesmo que não seja propriamente sua, senão de uma dessas influências que proporcionam mais aplausos, mais aceitação onde havia rejeição.
A nova modalidade de "pensamento único", exigida pelo comando do governo e do PT, é antidemocrática, violenta e fascistóide. A ninguém se pode reconhecer o direito ou a autoridade para exigir atitudes contrárias à própria convicção.


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