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JANIO DE FREITAS
Mensageira da crise
Não é de hoje, ou não é pelas
difíceis conversas com a simpaticamente dura Condoleezza
Rice, secretária de Estado dos
EUA, que o governo brasileiro
tem a convicção de que o afastamento de Hugo Chávez da Presidência venezuelana se inclui nas
"ações preventivas" que, bem a
propósito, foram uma idéia muito repetida e realçada no discurso
de Bush para inaugurar seu segundo mandato. Mas a preocupação daí decorrente não está só
no grupo presidencial nem é só
ideológica: é também de natureza
militar, em razão dos aspectos
geopolíticos que envolvem a
Amazônia.
Seja no caso de transbordamento das más relações entre Colômbia e Venezuela, seja em caso de
ação explícita ou encoberta dos
EUA para destituir Chávez, o entendimento político e o militar
coincidem na conclusão de que
pesadas sobras recairiam sobre o
Brasil. No primeiro caso, porque
os colombianos teriam a companhia dos americanos, já presentes
no seu território a título de orientar o combate à guerrilha. No outro caso, porque Chávez dificilmente deixaria de reagir e os
americanos dificilmente deixariam de aumentar sua participação. Nos dois casos, as fronteiras
do Brasil estariam sujeitas a
violações muito prováveis, com
problemas complexos para a defesa da integridade da Amazônia
brasileira.
De outra parte, a eclosão de
uma crise aguda teria conseqüências arruinadoras para o projeto
de ação conjunta, como um bloco
mesmo, dos países da América do
Sul no plano internacional.
É óbvio que os EUA se sentem
prejudicados por tal bloco, e esse é
mais um dos seus motivos para
desejar a Venezuela de volta, verdadeiramente ao lado de sua vizinha Colômbia, à "fraternidade
pan-americana" regida de Washington.
Na crise em andamento, mais
uma vez se assiste à exacerbação
transformadora de fatos pelo menos toleráveis, senão mesmo justificáveis, em pretextos insuportáveis. É o que se constata de duas
das três acusações principais feitas à Venezuela de Chávez. Para
começar, a acusação de que a Venezuela provocará um ameaçador desequilíbrio militar na região, com seu plano de importar
armamentos da Espanha, do Brasil e da Rússia. Esse desequilíbrio
já existe, desde que o governo
Bush iniciou o programa de US$ 1
bilhão em ajuda militar à Colômbia, mandou soldados para o território colombiano e, ainda, militares para o Equador, em acordo
com o destituído Lucio Gutiérrez.
Outra acusação é a de rompimento injustificado e unilateral
do acordo de cooperação militar
EUA-Venezuela, idêntico a muitos outros feitos na América Latina durante a Guerra Fria. Hugo
Chávez acusou os instrutores
americanos na Venezuela de pregar contra o seu governo. O Brasil
também acabou há anos com esse
acordo, os instrutores americanos
também foram dados aqui como
insufladores em questões políticas
(acusação aliás fundada) -e
daí? Daí, só uns dias de noticiário
e nada mais.
O terceiro argumento apresentado pelo governo Bush é o da falta de liberdade para a oposição
venezuelana, com evidência de
restrições numerosas à democracia. Não há dúvida de que na Venezuela não vigora democracia
plena, nem a democracia como
consta no discurso americano,
nem mesmo a democracia que
muitos crêem existir em seus países, como é o caso do Brasil. Por aí
se entra, porém, em uma polêmica sobre temas tão velhos quanto
inconclusivos: pode-se falar em
democracia onde a riqueza se
concentra em poucos e a pobreza
se distribui em multidões? Eleições significam democracia? Ou
até onde o fazem? O reformismo
social é mesmo uma ameaça à democracia, como é dito na América Latina sempre que emergem
intenções reformistas? E assim
vai. Ou melhor, nunca vai.
O noticiário dos últimos dias foi
pródigo em produções ficcionais.
Ainda se sabe muito pouco dos
pormenores conversados entre
Condoleezza Rice e os representantes do governo brasileiro. Mas
o pouco que se sabe, sobre o clima
geral, é simples e indicativo: as
amenidades da secretária
ficaram para suas exposições externas.
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