São Paulo, quarta, 29 de julho de 1998

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ELIO GASPARI
Ivo vê a uva. Vilhena, a Vigibrás

O professor José Henrique Vilhena se lembra. Ele se lembra do reitor Pedro Calmon. Era um aristocrata baiano, parecia feito de porcelana. Conseguia ser um belíssimo orador sem dizer nada e tendo um leve defeito na voz. Razoável historiador, um pouco empolado, mas livre da sarna daquilo que FFHH chama de "vulgata marxista". Um grande sujeito.
Calmon foi magnífico reitor da Universidade do Brasil (era assim que se dizia) de 1948 a 1966. Aguentou de tudo, de ocupações de faculdades a um episódio no qual estudantes fizeram "barata-voa" com seu mocassim.
Certa vez, os estudantes da Faculdade Nacional de Direito muraram com tijolos uma janela da escola para impedir a entrada de um professor malconcursado a quem chamavam de "janeleiro". Deu-se uma grande baderna no prédio onde funcionou o Senado do Império e o reitor foi chamado. Calmon chegou e viu a Polícia Militar no saguão. Dirigiu-se a um oficial e perguntou o que estava acontecendo. Ouviu que a polícia tinha sido chamada para acabar com a desordem. Disse mais ou menos o seguinte:
- Muito obrigado meu filho, mas vocês podem ir embora. Aqui só se entra com vestibular.
O professor José Henrique Vilhena é hoje o reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (nome grotesco criado pelos padrões uniformizantes da ditadura militar). Tem todo o direito de exercer o seu cargo, mas, como deve ter percebido, há diversos obstáculos no caminho.
Há baderna? Sem dúvida. Quando Vilhena tinha a idade dos estudantes que o expulsaram da reitoria, baderneiro era Fernando Henrique Cardoso. Baderneiraço era José Serra, presidente da União Nacional dos Estudantes. Na geração anterior, baderneiro foi Antonio Carlos Magalhães. Badernava pela entrada do Brasil na Segunda Guerra e apanhou de um polícia cujo nome se perdeu na história. (Pena, porque deve ter sido a única pessoa que acertou ACM sem levar troco.) Todos três sempre lembram com doçura e orgulho daquela aurora de suas vidas, badernança querida que os anos não trazem mais.
Os obstáculos físicos colocados no caminho do professor Vilhena são produto da baderna. Há outros, acadêmicos, que são produto exclusivo da inconformidade. Nesse pedaço do barraco, estão 5 dos 6 decanos da universidade e 40 dos 47 diretores de seus institutos. Não é simples arruaça nem foram os estudantes que a começaram, mas o Palácio do Planalto, querendo cortar a cabeça do professor Aloisio Teixeira com faca alheia. (Por falar em baderna, durante a ditadura o professor Fernando Henrique Cardoso visitou várias vezes a casa do brigadeiro Francisco Teixeira, único quatro estrelas do Partido Comunista. Ia a ele para falar de política. Lá conheceu o professor Teixeira, que, mesmo vivendo na clandestinidade, era chamado pelo pai para presenciar esses encontros.)
Só o professor Vilhena pode decidir o que faz do mandato que recebeu de FFHH. Uma coisa deve levá-lo a refletir, coisa pequena, quase detalhe, que nada tem a ver com as confusões feitas por seus adversários, pois relaciona-se apenas com sua capacidade de tomar decisões e providências.
Ao amanhecer da segunda-feira, ele entrou no seu gabinete protegido por 20 guarda-costas da empresa de segurança particular Vigibrás. Tem um mandato federal, mas julgou adequado entrar na reitoria da Universidade do Brasil protegido por guardas da Vigibrás. Perdeu o senso. Se queria entrar com o argumento da força (que lhe está legalmente disponível), deveria ter telefonado ao ministro Paulo Renato Souza, pedindo escolta das Forças Armadas. Era isso ou nada. Um reitor chegando ao seu gabinete com uma guarda pessoal, como faziam os ricaços na Roma antiga, é baderna em estado puro. Pelo menos um estudante é testemunha de que havia meganha armada na escolta do professor. Isso já não é baderna, mas irresponsabilidade.
O que aconteceria se o professor Aloisio Teixeira resolvesse criar uma reitoria do B, com o apoio de agentes da empresa de segurança Tabajara? O que acontecerá se algum dia um professor preferir defender sua tese de livre-docência escoltado pelas armas da Mãe Joana?
O professor Pedro Calmon haveria de rir (e como ria bem) se lhe contassem que algum dia seu magnífico sucessor entraria naquele prédio da praia Vermelha acompanhado por musculatura privada.
Se tudo o que aconteceu fosse pouco, depois de fazer o 18 Brumário da Vigibrás, o professor Vilhena barricou-se no espaço conquistado. Trancou os acessos a cadeado. Por mais que haja problemas de segurança nas escolas brasileiras, ainda não houve caso de diretora de escola da periferia barricando-se contra traficantes de drogas.
O que o professor Vilhena vai fazer é problema dele, desde que não faça mais o que fez segunda-feira. Problema, e dos bons, é o que está nas mãos de FFHH e do ministro Paulo Renato Souza. Os senhores ainda acham que escolheram o melhor nome para o cargo de reitor da velha Universidade do Brasil, aquele cargo que foi exercido por Pedro Calmon?



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