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ELIO GASPARI
Ivo vê a uva.
Vilhena, a Vigibrás
O professor José Henrique
Vilhena se lembra. Ele se lembra do reitor Pedro Calmon.
Era um aristocrata baiano,
parecia feito de porcelana.
Conseguia ser um belíssimo
orador sem dizer nada e tendo um leve defeito na voz. Razoável historiador, um pouco
empolado, mas livre da sarna
daquilo que FFHH chama de
"vulgata marxista". Um grande sujeito.
Calmon foi magnífico reitor
da Universidade do Brasil
(era assim que se dizia) de
1948 a 1966. Aguentou de tudo, de ocupações de faculdades a um episódio no qual estudantes fizeram "barata-voa" com seu mocassim.
Certa vez, os estudantes da
Faculdade Nacional de Direito muraram com tijolos uma
janela da escola para impedir
a entrada de um professor
malconcursado a quem chamavam de "janeleiro". Deu-se
uma grande baderna no prédio onde funcionou o Senado
do Império e o reitor foi chamado. Calmon chegou e viu a
Polícia Militar no saguão. Dirigiu-se a um oficial e perguntou o que estava acontecendo.
Ouviu que a polícia tinha sido
chamada para acabar com a
desordem. Disse mais ou menos o seguinte:
- Muito obrigado meu filho, mas vocês podem ir embora. Aqui só se entra com
vestibular.
O professor José Henrique
Vilhena é hoje o reitor da
Universidade Federal do Rio
de Janeiro (nome grotesco
criado pelos padrões uniformizantes da ditadura militar). Tem todo o direito de
exercer o seu cargo, mas, como deve ter percebido, há diversos obstáculos no caminho.
Há baderna? Sem dúvida.
Quando Vilhena tinha a idade dos estudantes que o expulsaram da reitoria, baderneiro
era Fernando Henrique Cardoso. Baderneiraço era José
Serra, presidente da União
Nacional dos Estudantes. Na
geração anterior, baderneiro
foi Antonio Carlos Magalhães. Badernava pela entrada do Brasil na Segunda
Guerra e apanhou de um polícia cujo nome se perdeu na
história. (Pena, porque deve
ter sido a única pessoa que
acertou ACM sem levar troco.) Todos três sempre lembram com doçura e orgulho
daquela aurora de suas vidas,
badernança querida que os
anos não trazem mais.
Os obstáculos físicos colocados no caminho do professor
Vilhena são produto da baderna. Há outros, acadêmicos,
que são produto exclusivo da
inconformidade. Nesse pedaço do barraco, estão 5 dos 6
decanos da universidade e 40
dos 47 diretores de seus institutos. Não é simples arruaça
nem foram os estudantes que
a começaram, mas o Palácio
do Planalto, querendo cortar
a cabeça do professor Aloisio
Teixeira com faca alheia. (Por
falar em baderna, durante a
ditadura o professor Fernando Henrique Cardoso visitou
várias vezes a casa do brigadeiro Francisco Teixeira, único quatro estrelas do Partido
Comunista. Ia a ele para falar
de política. Lá conheceu o
professor Teixeira, que, mesmo vivendo na clandestinidade, era chamado pelo pai para
presenciar esses encontros.)
Só o professor Vilhena pode
decidir o que faz do mandato
que recebeu de FFHH. Uma
coisa deve levá-lo a refletir,
coisa pequena, quase detalhe,
que nada tem a ver com as
confusões feitas por seus adversários, pois relaciona-se
apenas com sua capacidade
de tomar decisões e providências.
Ao amanhecer da segunda-feira, ele entrou no seu gabinete protegido por 20 guarda-costas da empresa de segurança particular Vigibrás.
Tem um mandato federal,
mas julgou adequado entrar
na reitoria da Universidade
do Brasil protegido por guardas da Vigibrás. Perdeu o senso. Se queria entrar com o argumento da força (que lhe está legalmente disponível), deveria ter telefonado ao ministro Paulo Renato Souza, pedindo escolta das Forças Armadas. Era isso ou nada. Um
reitor chegando ao seu gabinete com uma guarda pessoal,
como faziam os ricaços na Roma antiga, é baderna em estado puro. Pelo menos um estudante é testemunha de que
havia meganha armada na
escolta do professor. Isso já
não é baderna, mas irresponsabilidade.
O que aconteceria se o professor Aloisio Teixeira resolvesse criar uma reitoria do B,
com o apoio de agentes da
empresa de segurança Tabajara? O que acontecerá se algum dia um professor preferir
defender sua tese de livre-docência escoltado pelas armas
da Mãe Joana?
O professor Pedro Calmon
haveria de rir (e como ria
bem) se lhe contassem que algum dia seu magnífico sucessor entraria naquele prédio
da praia Vermelha acompanhado por musculatura privada.
Se tudo o que aconteceu fosse pouco, depois de fazer o 18
Brumário da Vigibrás, o professor Vilhena barricou-se no
espaço conquistado. Trancou
os acessos a cadeado. Por
mais que haja problemas de
segurança nas escolas brasileiras, ainda não houve caso
de diretora de escola da periferia barricando-se contra
traficantes de drogas.
O que o professor Vilhena
vai fazer é problema dele, desde que não faça mais o que fez
segunda-feira. Problema, e
dos bons, é o que está nas
mãos de FFHH e do ministro
Paulo Renato Souza. Os senhores ainda acham que escolheram o melhor nome para o
cargo de reitor da velha Universidade do Brasil, aquele
cargo que foi exercido por Pedro Calmon?
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