São Paulo, Domingo, 29 de Agosto de 1999
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PÓS-MARCHA
Desempenho do país vai dar gás para mais protestos da oposição ou para o fortalecimento de FHC
Economia vai moldar cenário político

Alan Marques - 26.ago.99/Folha Imagem
Manifestantes durante a "Marcha dos 100 Mil", na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, com faixa pedindo a saída de FHC


CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

O "day after" da chamada "Marcha dos 100 Mil" permite, tanto para a oposição como para o governo, reativar famoso conselho que o marqueteiro James Carville (também conselheiro de Fernando Henrique Cardoso) deu a Bill Clinton, quando este iniciava sua campanha eleitoral, em 1992: "É a economia, estúpido".
Maneira grosseira de dizer que, em vez de bater em temas políticos, Clinton deveria aproveitar o mau momento da economia norte-americana à época como catapulta para ocupar a Casa Branca. Funcionou.
No Brasil do pós-marcha, governo e oposição reconhecem, mais ou menos explicitamente, que é o andamento da economia que determinará o maior ou menor vigor de futuras manifestações de protesto e, por extensão, a maior ou menor solidez do próprio governo.
Na oposição, à margem do grito "Fora FHC", até o presidente do PT, deputado José Dirceu (SP), diz: "Ou Fernando Henrique muda de modelo econômico ou o Brasil vai mudar de governo".

Planalto
No governo, todos os ministros ouvidos pela Folha afastam a hipótese de mudança do modelo, mas apostam na mudança do ambiente de sufoco que, admitem, o país viveu no primeiro semestre.
"O clima ficou carregado porque foi muito tempo de sacrifício que se exigiu da população", diz, por exemplo, Pimenta da Veiga (Comunicações), também articulador político do governo, em dupla com o secretário-geral da Presidência, Aloysio Nunes Ferreira Filho.
Agora que vai haver um certo desafogo, pelo menos nos cálculos de Pimenta, haverá igualmente "uma distensão no clima".
Apostando igualmente no desafogo, o chefe da Casa Civil, Pedro Parente, diz que o fundamental "é conseguir sincronizar o clima de restauração de confiança com os sinais positivos da economia".
Ou, posto de outra forma, a tarefa do governo, na visão de Parente, seria impedir que a falta de confiança no presidente, evidenciada em todas as pesquisas, "contamine a economia", supostamente em recuperação.
Para evitar a contaminação, o governo vai trombetear, na terça-feira, o anúncio tanto do projeto de Orçamento para o ano 2000 como o Plano Plurianual 2000/ 2003, que prevê investimentos no período de cerca de US$ 165,2 bilhões (praticamente um terço de tudo o que o país produziu, no ano passado, em bens e serviços, o seu PIB, Produto Interno Bruto).
"O Orçamento sinaliza um crescimento de 4% para o ano 2000", festeja Arnaldo Madeira (PSDB-SP), líder do governo na Câmara.
Embora tanto o Orçamento como o plano de investimentos sejam bem anteriores à marcha, o anúncio de ambos, com a maior fanfarra possível, serve para demonstrar, como diz Parente, que o governo "não está morto".
Mas os sinais emitidos pela economia são lidos por oposição e governo de maneira tão diferente como leram a manifestação da quinta-feira, um fracasso para o governo, um retumbante sucesso para a oposição.

Fracasso
Os oposicionistas dão o modelo econômico como fracassado. "O governo está apostando numa idéia insensata e que não pode dar certo", diz, por exemplo, o filósofo Roberto Mangabeira Unger, ideólogo do que chama de "2ª Via", uma alternativa tanto ao modelo atual como à Terceira Via proposta pelo primeiro-ministro britânico Tony Blair.
Ciro Gomes (PPS), potencial candidato à Presidência em 2002, vai mais longe: "Já disse ao Lula (Luiz Inácio Lula da Silva, líder histórico do PT) que a batalha da crítica (ao modelo) já está ganha. Temos agora que ganhar a batalha intelectual do que pôr no lugar dele".
Ciro está propondo o que chama de "diálogo nacional", um ponto de encontro entre os mais diferentes setores oposicionistas, organismos da sociedade civil, empresários, acadêmicos, para "fazer e recolher propostas programáticas, setor por setor".
Sairia desse "diálogo" um modelo de eleição primária que indicaria o candidato da oposição ao pleito de 2002, sempre nos planos de Ciro.
"É uma ótima idéia, mas o Ciro precisa parar de atacar o PT", reage o historiador Marco Aurélio García, secretário de Relações Internacionais do PT.
A frase é uma clara indicação de que as oposições, além da batalha da economia, enfrentam a guerra da unidade interna.
O PDT, ou mais precisamente seu líder histórico, Leonel Brizola, despreza qualquer alternativa que não seja a renúncia de FHC, no pressuposto de que, acuado por novas manifestações, o presidente terminará por renunciar.
O PT aceita a idéia de novas manifestações, mas aposta que a letargia econômica será o grande combustível. Na segunda-feira, a direção nacional do partido reunir-se-á com os demais grupos que participaram da marcha, para uma avaliação e uma definição dos rumos a seguir.
Entre as propostas sobre a mesa, está a de reproduzir a marcha nas grandes capitais.
Mas a oposição conta também com mobilizações que independem de sua própria ação, como é o caso de eventuais movimentos, até grevistas, por conta de importantes dissídios previstos para o segundo semestre (bancários, petroleiros e metalúrgicos, entre outros).
Se a economia é o fator determinante para a temperatura política, a oposição parece mais próxima de ter o aquecedor a seu favor, se se tomar como válida uma opinião neutra (a da revista britânica "The Economist"). Aliás, não tão neutra, posto que tem sido tradicionalmente simpática a FHC.
"Mesmo que o otimismo do sr. Cardoso sobre a economia se mostre correto, não é certo que sua popularidade se recuperará de maneira combinada", diz a revista no número que começou a circular anteontem.


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