São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2000

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MÍNIMO
Instituições menores não possuem reservas para suportar um novo tributo
Imposto levaria fundos ao colapso

FELIPE PATURY
DA REPORTAGEM LOCAL

Cerca de 20% dos fundos de pensão nacionais, o equivalente a 70 instituições, podem entrar em colapso se forem obrigados a pagar impostos para financiar o aumento do salário mínimo até R$ 180. O risco atinge principalmente as pequenas fundações, que têm até R$ 100 milhões em reserva para pagar aposentadorias.
Os fundos menores não têm caixa para enfrentar a mudança do regime tributário. Mesmo com a imunidade fiscal que desfrutam hoje, eles já têm problemas. Essas 70 fundações sequer chegaram a fazer provisões para o pagamento de impostos retroativos a 1983, que está sendo julgado no Supremo Tribunal Federal (STF).
"Os fundos maiores têm reservas, o problema está nos menores", afirma Carlos Caldas, presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada (Abrapp). "Eles terão um impacto grande nas suas reservas e alguns poderão ter desequilíbrios."
Hoje, os fundos de pensão acumulam R$ 9 bilhões em provisões para pagar os impostos atrasados, caso sejam derrotados no Supremo. Dessas reservas, R$ 6,4 bilhões foram separados para pagar apenas o Imposto de Renda.
A maior parte das provisões é grandes fundos estatais. A Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, por exemplo, tem R$ 1,7 bilhão. A Petros (Petrobrás) e a Funcef (Caixa Econômica Federal), por sua vez, acumulam reservas de R$ 500 milhões cada uma.

Pequenos com déficit
Já boa parte dos pequenos fundos, além de não terem provisões, ainda acumulam déficits atuariais. Ou seja, não tem dinheiro para pagar as aposentadorias de seus participantes. E, por serem deficitários hoje, não fizeram provisões para os impostos.
Por isso, terão de recorrer a estratégias protelatórias para o pagamento dos impostos, se perderem o julgamento no STF e o Congresso aprovar a cobrança de impostos para custear o mínimo.
A Abrapp calcula que o governo arrecadará mais R$ 2 bilhões anuais caso o Congresso aprove os impostos sobre os fundos. É o suficiente para abater mais da metade dos R$ 3,8 bilhões de aumento das despesas fiscais decorrentes do aumento do mínimo.
Melhora a vida do governo, mas enrasca ainda mais os fundos que já não conseguiram nem provisionar os débitos antigos. Por isso, eles discutem a possibilidade de usar liminares judiciais para atrasar a possível cobrança do fisco.

Milionários no buraco
"Muita gente vai para o buraco. Se a previdência oficial está quebrada, pode ser a vez da previdência privada com o pagamento de impostos", diz Francisco Oliveira, da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A situação das fundações deficitárias piora se o Congresso decidir pela cobrança de Imposto de Renda sobre os lucros de suas aplicações financeiras, como querem o governo e o PFL. "Os fundos milionários precisam dar sua contribuição para o aumento do mínimo", afirma o líder do governo no Senado, José Roberto Arruda (PSDB-DF).
O governo reconhece que alguns fundos podem não conseguir pagar o imposto, mas ressalta que a mudança não compromete o sistema como um todo. "O fundo, em princípio, não quebra. Haverá ajustes, mas não é possível prever de que tamanho", diz o secretário-executivo do Ministério da Previdência, José Cecchin.
Ele ressalta que os fundos têm, hoje, um patrimônio de R$ 136 bilhões de reais e o impacto da cobrança dos impostos não ultrapassa 5% do total. Ainda mais, o problema está, em grande parte, desvinculado do setor público.
"O que era um dragão há quatro ou cinco anos não é mais tão grave", diz ele. Na avaliação do secretário, a privatização isolou o risco de fundos como a Sistel (Telebrás) e Valia (Vale do Rio Doce), cujos prejuízos eram cobertos pelo governo quando essas empresas eram estatais. "Se houver problemas, serão localizados."

Imunidade fiscal
A possível quebra de parte dos fundos de pensão é o lado mais dramático dos maiores dutos investimento do país, que ganharam imunidade tributária em 1983 com o status de instituições sem fins lucrativos. Por isso, não pagam desde o Imposto de Renda até tributos mais corriqueiros como IPTU e IPVA.
Na maior parte dos países do mundo (ver tabela), fundos de pensão tem vantagens tributárias. Em geral, o pagamento de impostos é feito apenas no momento do recebimento da aposentadoria, como também acontece no Brasil.
A diferença é que o modelo nacional vale para qualquer tipo de imposto, o que é considerado uma "anomalia" até pelos defensores da isenção.
"Os fundos são nichos de paraísos fiscais dentro do país. Fazem parte de um grupo de privilegiados", diz o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, maior defensor da cobrança de impostos. "Se alguns não tem provisão (para os tributos) é irresponsabilidade e deve ser apurado pelo órgão competente (Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência)."
Além dos problemas de solvência dos fundos deficitários, economistas ouvidos pela Folha temem que o pagamento dos impostos sobre os lucros anuais possam trazer tumulto para o mercado financeiro. O motivo é simples. A maior parte dos R$ 9 bilhões de provisões dos fundos está aplicado em ações e títulos públicos.
Como os impostos têm de ser pagos em dinheiro, os fundos terão de se desfazer de suas posições, o que pode afetar as cotações das bolsas de valores e dos papéis do governo. "Um rebu de proporções cataclísmicas", diz o economista Francisco Oliveira.
Os economistas apontam um último risco: os atuais participantes dos fundos podem migrar para os planos de aposentadoria feitos por bancos, sobre os quais não incidem impostos. "Será melhor aplicar num fundo aberto", diz Flávio Rabelo, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.


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