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São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2003

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GOVERNO

Executivo usa decreto do regime militar para ocultar origem das despesas

Gastos secretos da gestão Lula consomem R$ 10 mi

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ações de caráter sigiloso, consumo secreto, serviço secreto. Sob indicações cifradas como essas, foram gastos mais de R$ 10 milhões do contribuinte em 2003. As despesas feitas até 17 de dezembro, a duas semanas do fim do primeiro ano de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, superam a média registrada com gastos secretos nos últimos sete anos.
De 1996 a 2002, desde quando a comparação é possível, a média de gastos secretos no governo federal foi de R$ 5,6 milhões por ano (em valores nominais). Eles aparecem num território de acesso restrito do Siafi (sistema informatizado de acompanhamento de gastos federais) sob o título "Despesas de Caráter Secreto ou Reservado" e três códigos com nove algarismos.
Um decreto-lei editado pelo primeiro presidente do regime militar, Castello Branco, a poucos dias da posse do sucessor, Costa e Silva, deu cobertura legal a esse tipo de despesa. Na época, Lula contava 21 anos e dava os primeiros passos no movimento sindical.
"A movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais será feita sigilosamente e nesse caráter serão tomadas as contas dos responsáveis", afirma o decreto-lei 200, ainda em vigor.
Uma outra regra, baixada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) em 1979, deixa claro o grau de transparência -muito pequeno- imposto a essa parcela do gasto público. A resolução que especifica o processo de contas sigilosas exige a relação das despesas efetuadas e seu objetivo "na medida do possível".

Meias
Em situações aparentemente banais, o detalhamento no Siafi chega a extremos, como no caso da compra de meias: 5.000 pares, meia social, cor preta, 100% poliamida, cano longo, com proteção antiodor e antimicrobial.
O aumento dos gastos secretos sob o governo Lula foi objeto de um ofício encaminhado na sexta-feira antes do Natal ao ministro Waldir Pires, da Controladoria Geral da União, pelo deputado distrital Augusto Carvalho (PPS). O documento pede providências contra a crescente falta de transparência nos gastos públicos.
"O acentuado crescimento desses gastos é preocupante. No governo [Fernando] Collor [1990-1992], uma auditoria encontrou nessa rubrica despesas pessoais da então primeira-dama. E esse é mais um dos artifícios que eliminam a transparência do gasto público", disse Carvalho.
O deputado pesquisou os dados com a senha do presidente de seu partido, o deputado federal Roberto Freire (PE). O PPS é um dos partidos que integram a base de apoio do governo Lula no Congresso.
O ofício dá outros exemplos de "artifícios" que conspiram contra a transparência dos gastos com o dinheiro do contribuinte. As despesas com cartões de crédito aumentaram mais de 50% só para a Presidência da República, de R$ 2,4 milhões, em 2002, para R$ 3,6 milhões, neste ano, contabilizados os pagamentos ao Banco do Brasil até a manhã do dia 19.
Computados saques em dinheiro vivo feitos com cartões, o dispêndio do Palácio do Planalto até outubro já somava R$ 5 milhões. Além da Presidência da República, vários ministérios e órgãos públicos recorrem ao cartão de crédito para "despesas peculiares". Nesses casos, o Siafi só registra o pagamento à administradora do cartão de crédito.
No Ministério das Relações Exteriores, outro exemplo citado de falta de transparência: a maior parte dos gastos é feita por meio do escritório financeiro localizado em Nova York (EUA), sem discriminação. Neste ano, do R$ 1 bilhão gasto pelo Itamaraty, R$ 820 milhões saíram pelo tal escritório.

Míssil
O conjunto de gastos secretos feitos no ano mostra que os comandos militares (principalmente a Aeronáutica), a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e a Polícia Federal são responsáveis pela maior parte das despesas dessa natureza.
Além disso, o Siafi dá raras pistas de como o dinheiro foi gasto. Em 30 de maio, por exemplo, o Centro Técnico Aeroespacial pagou R$ 700 mil de uma prestação do contrato para desenvolver míssil anti-radiação MAR-1.
Já no mês de outubro, a Polícia Federal realizou uma operação de caráter sigiloso no Estado do Rio de Janeiro com o nome de "Missão Suporte Rio".
Na conta de consumo secreto foi incluída até mesmo a compra de um quadro magnético, dois marcadores, um porta-marcador e um apagador para o Centro de Instrução Almirante Graça Aranha, no Rio de Janeiro. O custo: R$ 3.781,50.



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