São Paulo, Domingo, 30 de Janeiro de 2000


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RELIGIÃO

Em encontro nesta semana, cerca de 500 sacerdotes debaterão celibato, oração e a exposição na TV

Padres discutem crise de identidade

Ana Carolina/Folha Imagem
Marcelo Rossi, um dos expoentes dos padres cantores


ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local

Num mundo em que as tradições perdem cada vez mais o sentido, para que serve o padre? Qual papel lhe resta: o de tutor espiritual ou o do militante que se opõe às desigualdades terrenas? Que púlpito lhe traz melhores frutos: o altar diminuto de uma paróquia ou a tela elástica da televisão? Como manter-se celibatário em uma sociedade que endeusa o sexo?
As perguntas estão todas no ar. Para tentar respondê-las, cerca de 500 sacerdotes se reúnem entre terça e domingo em Itaici, distrito de Indaiatuba (SP). Vêm de diferentes partes do país com a tarefa de representar os 16 mil padres brasileiros.
A reunião não é novidade. O Encontro Nacional de Presbíteros acontece desde 1985, de dois em dois anos. O que chama a atenção, desta vez, é o tema das discussões. Os padres irão abordar exclusivamente assuntos pessoais, em especial dilemas afetivos e de identidade.
As últimas cinco reuniões analisaram o sacerdote menos como indivíduo e mais como "pastor"-ministro dos sacramentos, pregador do Evangelho e líder comunitário. A mudança de foco se dá, agora, por solicitação dos próprios participantes.
"Eles desejam refletir sobre as hesitações que lhes tomam o coração", diz o padre cearense Manoel Valdery da Rocha, 61, presidente da Comissão Nacional dos Presbíteros (CNP), que promove o encontro. "Buscam maturidade espiritual e emocional para viver o celibato com alegria e compreender melhor as funções que devem desempenhar hoje."
Em outras palavras, os sacerdotes enfrentam profunda crise. "Não sei se enfrentam ou se sempre enfrentaram", rebate o presidente da comissão. "Só sei que, como todo mundo, os padres andam à procura da felicidade."

Homens de oração
Um pequeno livro de 56 páginas vai servir de base para os debates de Itaici. Tem título interrogativo -"Novo Milênio, Novo Presbítero?"- e não está à venda.
Assinado pela CNP, com tiragem de 14 mil exemplares, circula desde abril do ano passado entre sacerdotes das 260 dioceses do país. É de leitura compulsória para os participantes do encontro, escolhidos por seus pares em eleições diretas.
Três teólogos redigiram o documento, todos ligados à ala progressista da Igreja Católica. O mais conhecido, frei Clodovis Boff, amarga há 16 anos a proibição de lecionar na PUC carioca. A pena, imposta por dom Eugênio Sales, cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, decorre do fato de o religioso defender a Teologia da Libertação, que aproxima o cristianismo das teorias marxistas.
Outro redator, padre Antonio José de Almeida, destaca-se pelos estudos sobre a função do leigo na igreja. Já o padre Alberto Antoniazzi é assessor teológico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Em linguagem um tanto hermética, embora às vezes bem-humorada, o livro trata com surpreendente franqueza de dois temas que inquietam não apenas a vida sacerdotal como também a opinião pública: a castidade e a recente ascensão dos padres cantores (ou "midiáticos").
O grosso da publicação, porém, se encarrega de traçar o perfil que deveria ter o presbítero do século 21 (veja quadro ao lado). O retrato que pinta não raro beira o óbvio -o que acaba por revelar o tamanho da crise dos sacerdotes.
Em certos trechos, por exemplo, afirma-se que padres são "homens de oração" e, portanto, precisam rezar. Se soa óbvio e se, ainda assim, o texto enfatiza tal ponto, é porque vê necessidade de reacender nos presbíteros sentimentos e condutas essenciais que talvez estejam se perdendo.
O livro define como meta número um do "sacerdote do novo milênio" a espiritualidade. Exorta-o a viver "imerso no mistério trinitário: abandonado e inteiramente disponível à vontade do Pai".
Explica que, procedendo dessa maneira, o padre evitará o perigo de se tornar "mero funcionário do sagrado" ou "burocrata de uma instituição eclesiástica". Por tabela, atenderá satisfatoriamente à "aguda demanda de Deus que as pessoas hoje dirigem aos ministros religiosos, ainda que de um modo confuso e ambíguo".
Daí a importância da oração. "Um presbítero que não reza não vai fundo na vida espiritual." O livro recomenda que os sacerdotes reaprendam "com os orientais" a "antiga e eficaz prática" de repetir mantras, refrões contemplativos e pequenos versículos da palavra de Cristo. "Mesmo mergulhados (nos afazeres cotidianos), podemos lançar a Deus um olhar rápido, espiritualizando o que estamos fazendo."
O texto indica ainda a leitura da Bíblia e a eucaristia como fontes de espiritualidade. Mas trata de combater o "falso dualismo" entre "contemplação e ação", entre rezar e agir socialmente. "Também no serviço aos pobres e nas atividades que abarcam a dimensão sócio-transformadora, o presbítero é um homem espiritual."
O padre não deve, assim, abdicar do "pastoreio" -da missão de arrebanhar fiéis, reuni-los em comunidades e liderá-los. Por outro lado, como líder, não pode aderir a nenhum movimento de leigos, nem à direita nem à esquerda. O ideal é que assuma o papel de mediador, que saiba "lidar com os conflitos e articular as diferenças", para levar "as diversas posições à reconciliação".


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