UOL

São Paulo, quinta-feira, 30 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CELSO PINTO

O que há de asiático no ajuste externo

Muito já se falou sobre o ajuste "asiático" feito pelo Brasil em suas contas externas. Alguns o consideram incompleto, outros o vêem como estrutural. Faz sentido a comparação?
A crise brasileira passou por colapso do câmbio, fuga de dólares, forte desvalorização, inflação e redução de crescimento. Nesse sentido, ela se compara com a crise do México, no final de 1994, e as dos países asiáticos (Coréia, Indonésia, Tailândia, Filipinas e Malásia), em 1997.
A falta de dólares obrigou a um ajuste na conta corrente externa (mercadorias mais serviços). No Brasil, o ajuste cambial se fez em duas etapas, em 1999 e 2002. De 1998 a 2002, a conta corrente foi reduzida em US$ 25,6 bilhões. O déficit caiu 3,5% do PIB, entre o pico, em julho de 1999 (5,2%), e o ano passado (1,7%). As necessidades de recursos externos (conta corrente mais amortizações) caíram de US$ 80,6 bilhões, em julho de 1999, para US$ 38,2 bilhões, no ano passado.
Por qualquer desses critérios, é um ajuste extraordinário. Ainda assim, no entanto, muito menor do que a guinada por que passaram os países asiáticos e o México. No primeiro ano pós-crise, o ajuste em conta corrente foi de 6,4% do PIB no México, 14,4% na Coréia, 7,4% na Indonésia, 16,8% na Malásia, 5,9% na Tailândia e 7,2% nas Filipinas.
A fuga de dólares foi menor no Brasil, o que permitiu um ajuste externo mais gradual (em compensação, deixou o país ainda vulnerável a crises externas). A desvalorização cambial (valorização do dólar em relação ao real) de 192%, acumulada de 1998 a 2002, de todo modo, só não foi maior do que a da Indonésia (237% em dois anos). Superou a de México (146% em dois anos), Coréia (101% em um ano), Tailândia (84% em um ano), Malásia (54% em um ano) e Filipinas (52% em um ano).
E como se comparam os custos do ajuste, em termos de crescimento e inflação? O Brasil foi o único entre esses países que não sofreu queda no PIB, no ano da crise ou no ano seguinte. Isso é verdade inclusive quando se acrescentam as crises da Rússia (1998),Turquia (2000) e Argentina (2001), como mostra o gráfico. Em alguns países, a queda do PIB em um ano foi violenta: 6,2% no México, 6,7% na Coréia, 13,1% na Indonésia, 7,4% na Malásia, e 12% (em dois anos) na Tailândia.
Se o custo for medido em termos inflacionários, o preço pago pelo Brasil foi relativamente pequeno se comparado ao México (81% em dois anos) e à Indonésia (95% em dois anos). Em quatro anos, a inflação acumulada no Brasil (IPCA) foi de 39,9%. A inflação acumulada no Brasil equivaleu a 20% da desvalorização, enquanto no México foi de 56% e na Indonésia, de 61%. Nos outros países asiáticos, contudo, o impacto do câmbio sobre a inflação foi menor.
É claro que evitar uma queda do PIB é desejável. Nesse sentido, o Brasil saiu-se bem do ajuste externo e com um custo inflacionário relativamente baixo. Mas a questão do crescimento tem que ser vista numa perspectiva um pouco mais ampla. E aí as comparações ficam piores para o Brasil.
Como a fuga de dólares foi mais intensa no México e na Ásia, o ajuste nas contas externas foi mais duro, mas a recuperação, em geral, foi mais rápida. Ajudou muito o fato de o comércio exterior (exportações mais importações) ter um peso muito maior nesses países do que no Brasil. No ano anterior à crise, o comércio externo representava 14% do PIB no Brasil, 33% no México, 59% na Coréia, 77% nas Filipinas, 44% na Indonésia, 157% na Malásia e 70% na Tailândia.
A desvalorização ajudou as exportações e conteve as importações. Como o peso do comércio exterior era grande, foi maior o impacto positivo sobre o crescimento. No caso do México, a crise coincidiu com o Nafta, acordo de livre comércio com os Estados Unidos, e o comércio exterior subiu de 33% para 58% do PIB de 1994 a 1998. Na Ásia, também aumentou o peso relativo do comércio.
O resultado é que a recuperação das exportações foi vigorosa e a queda das importações, limitada a apenas um ano pós-crise (exceto na Indonésia), permitindo uma retomada mais rápida do crescimento. Olhando quatro anos pós-crise, o Brasil cresceu 8,5%; o México, 10,7%; a Coréia, 16,5%; e as Filipinas, 10,7%. Só Tailândia (menos 3,6%) e Indonésia (menos 5,2%) cresceram menos. Conclusão: ter um comércio externo significativo pode não evitar o custo imediato de crises externas, mas ajuda na recuperação posterior e a atenuar o impacto de novas crises externas.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


Texto Anterior: Dívidas: STF autoriza banco a reter R$ 86 milhões das contas do Rio
Próximo Texto: Caso Silveirinha: Corregedor diz que relatório não serve como prova contra auditores
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.