São Paulo, sábado, 30 de março de 2002

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LIVROS

Diversidade e convergência nos Legislativos estaduais

CARLOS RANULFO F. MELO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Brasil é um país onde o presidencialismo, por força da organização federativa e da variedade de formatos do sistema partidário, se realiza em 27 cenários distintos. Analisar tais cenários, compará-los e estabelecer as relações com o quadro político nacional é um desafio colocado perante sociólogos e cientistas políticos. "O Poder Legislativo nos Estados: diversidade e convergência" apresenta-se como um passo no sentido de dar conta deste mosaico institucional.
A motivação inicial é testar a hipótese do "ultrapresidencialismo estadual" (Fernando Abrúcio, "Os Barões da Federação", ed. Hucitec), segundo a qual, entre 1982 e 1994, o Executivo manteve o controle sobre os demais poderes, bem como sobre a dinâmica dos sistemas políticos nos Estados brasileiros.
Os autores analisam as relações entre o Executivo e Legislativo, a produção legal das Assembléias, bem como sua organização interna em seis Estados -Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo- durante a legislatura 1995/1999. Um último capítulo compara os poderes constitucionalmente definidos do governador e a organização interna das Assembléias nos 27 Estados brasileiros.
De um modo geral, e este é o ponto de convergência, os Executivos estaduais detêm poderes constitucionais relevantes e conseguem levar a termo sua agenda. A diferença está em como e a que preço, uma vez que seus interlocutores estão organizados, e comportam-se, de modo distinto.
Em Minas Gerais, a Assembléia passou por um aperfeiçoamento institucional que resultou na adoção de mecanismos de interlocução com a sociedade civil e na ampliação dos recursos de informação à disposição dos deputados. No outro extremo, estão as Assembléias do Espírito Santo e de São Paulo. Na primeira, o desenvolvimento institucional é obstado pela falta de incentivos à divisão de trabalho e à especialização dos deputados em áreas específicas. Na segunda, a fragilidade institucional aparece como resultado de uma opção dos deputados que, inseridos em uma carreira onde o legislativo estadual é visto apenas como ponto de passagem, privilegiam o Executivo como o locus da negociação.
O desenvolvimento institucional explica porque a Assembléia mineira é identificada como instituição autônoma e com capacidade de transformar suas preferências em políticas. A identificação vale ainda para o Legislativo carioca. Mas, neste caso, as variáveis explicativas para o tipo de produção legislativa encontrado são a existência de um cenário de competição eleitoral mais intensa do que o usual nos estados e um padrão descentralizado de organização interna.
Pelo que mostram os autores, os dois casos não podem ser caracterizados por uma predominância "imperial" do governo estadual. As Assembléias mantêm uma dinâmica própria e são responsáveis pela maior parte da produção legislativa. O Rio de Janeiro se destaca na análise dos vetos do Executivo: 40% deles foram derrubados, o que, comparado ao Congresso Nacional, é um índice elevadíssimo.
Deputados paulistas e capixabas também são responsáveis pela maioria da produção legislativa em seus Estados. Mas trata-se de uma produção na qual homenagens e declarações de utilidade pública predominam. A produção relevante, oriunda do Executivo, é sumariamente aprovada, com maiorias constituídas "ad hoc", revelando um comportamento homologatório do Legislativo estes sim, casos típicos de um "ultrapresidencialismo estadual". A maneira como o atual governador do Espírito Santo se viu livre do impeachment parece corroborar a afirmação.
Finalmente, no Rio Grande do Sul e no Ceará, o Executivo dominou a produção legislativa e demonstrou alta capacidade governativa. O padrão, dizem os autores, é coerente com a existência de maiorias partidárias estáveis, legitimadas por meio de alianças eleitorais. Fossem outras as configurações político-partidárias, e a relação Executivo/Legislativo poderia ser diferente, supõem os autores. Suposição que, no caso do atual governo do Rio Grande do Sul, vem se confirmando.
Cientes da natureza exploratória de sua empreitada, a amostra é pequena e a análise restringe-se a uma legislatura, os autores são cautelosos nas suas conclusões, deixando ao leitor muitas indagações. O número de vetos do Executivo derrubados no Espirito Santo, por exemplo, é deixado sem explicação. Mas, sem dúvida, fica certeza de que este é o veio de uma promissora agenda de pesquisa para a ciência política brasileira.


Carlos Ranulfo F. Melo é doutor em ciência política e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).


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