São Paulo, domingo, 30 de junho de 2002

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NO PLANALTO

Lobby pelo crediário, eis a novidade que vem de Pernambuco

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Lobby é mais ou menos como futebol. Só que jogado na boca do cofre público. O lobista não é senão um meia-armador. Dribla o sistema defensivo, limpa (ou seria suja?) a jogada e cria a oportunidade de gol. Feito com a mão, naturalmente.
Vem de Pernambuco, terra de Rivaldo, a última novidade no campo da esperteza: o lobby a crédito, com pagamento a prestações. Nasceu assim:
1) os atacadistas pernambucanos julgavam-se perseguidos pelo Fisco estadual. Achavam alta a mordida do ICMS, o imposto sobre circulação de mercadorias. Queixavam-se de que Estados vizinhos, tais como Paraíba, Alagoas e Bahia, concediam generosas reduções de alíquota. Queriam provar do melado;
2) como o governo peemedebista de Jarbas Vasconcelos resistia à idéia de entrar na guerra fiscal, o atacado passou a sonegar à larga. O governo tentou reprimir. Mas acabou dobrando os joelhos;
3) enviou à Assembléia Legislativa um projeto podando o ICMS. Alíquotas que variavam de 17% a 25% passaram à faixa de 3% a 10%. Aprovada, a proposta foi à sanção do governador. Jarbas Vasconcelos sancionou-a em 10 de maio;
4) em 27 de maio, uma entidade chamada Aspa (Associação Pernambucana de Atacadistas e Distribuidores) enviou carta aos seus associados. O texto acomoda sobre o papel termos normalmente sussurrados só em diálogos subterrâneos;
5) o primeiro parágrafo apresenta a nova lei não como coisa de governo, mas como obra da associação, "a maior conquista" já obtida, capaz de despertar "inveja" em "colegas de outros Estados";
6) o segundo parágrafo é transparente como água de bica: "(...) toda a operação de montagem deste projeto necessitou o envolvimento de uma série de pessoas, lobbies e assessorias, entre eles o escritório de Alírio Moraes de Melo e Advogados Associados (...)"
7) o terceiro passa o chapéu: "os valores envolvidos foram substancialmente altos e estão muito longe das disponibilidades de caixa da nossa Aspa, o que nos obriga a dividir entre os nossos diversos associados (...) o custo de toda essa operação (...), sendo o total dividido em oito parcelas" (de maio a dezembro);
8) a dentada varia conforme o faturamento do mordido. Os detalhes são acertados com o escritório do advogado Alírio Moraes de Melo. Pode-se pagar até por meio de boleto bancário;
9) sob os efeitos da mordedura, empresário pernambucano soprou ao repórter que um naco da caixinha engraxará o caixa dois de campanhas de deputados que ajudaram na poda do ICMS;
10) poucos deputados auxiliaram tanto quanto Tereza Dueire, líder do PFL na assembléia pernambucana. "Nunca tive contribuição desse setor (atacadista)", diz ela. "Mas não é do desconhecimento de ninguém que o empresariado todo colabora com parlamentares", afirma;
11) trocou-se voto por grana? "Não creio", diz Tereza. "Evidentemente eles devem ter alguns parlamentares que eles devem ter contribuído anteriormente em termos de campanha (...) Mas isso não tem nada a ver com condicionamento";
12) o repórter discou para Diógenes Andrade Filho, um atacadista de perfumes e alimentos que preside a Aspa. A carta que expõe a vaquinha do ICMS leva a assinatura dele. Diógenes diz que o jabaculê pagará só honorários advocatícios;
13) mas e quanto ao envolvimento de "uma série de pessoas, lobbies e assessorias?" "Bem", explica Diógenes, "o associado geralmente resiste em fazer contribuições. Então, nessas correspondências, a gente precisa enfeitar um pouquinho a boneca";
14) firmou-se um contrato com o escritório de advocacia, certo? "Acho que não", prossegue Diógenes. E o que se quis dizer com os "valores substancialmente altos" mencionados na carta? "Creio que não chega a R$ 100 mil";
15) ouvido, o advogado Alírio Moraes de Melo diz coisa diferente. Sobre o contrato: "Apresentamos à diretoria da Aspa uma proposta de trabalho, que foi aprovada". Prometeu exibir cópia do documento. Não mostrou. Sobre os honorários? "Oito parcelas de R$ 45 mil mensais." Ou seja, R$ 360 mil. Sobre o teor da carta de seu cliente: "Não posso responder por documento emitido por terceiros";
16) Alírio Moraes diz estar sendo remunerado por um estudo. Comparou a legislação tributária de Pernambuco à de outros Estados. E dissecou o cotidiano tributário de 50 dos maiores atacadistas de Pernambuco. O advogado não admite, mas redigiu-se também no escritório dele o anteprojeto da lei do ICMS;
17) "Isso é muito comum no país inteiro", diz Sebastião Jorge Jatobá, secretário de Fazenda de Pernambuco. "São advogados especialistas em direito tributário." Sebastião conta que o projeto foi modificado pelo governo e emendado na Assembléia. Espera-se que arrecadação de ICMS cresça R$ 18 milhões por ano. Se, ao contrário, cair, a nova lei prevê a possibilidade de suspensão do benefício. "É uma salvaguarda que temos", confia Sebastião;
18) fica então entendido que, vistos pelo Fisco como bambas da sonegação, os atacadistas de Pernambuco pingam uns caraminguás no pires, em agradecimento por uma lei cujo objetivo é forçá-los a pagar mais imposto. Então, tá.


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