São Paulo, Quarta-feira, 30 de Junho de 1999
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Ministro do Desenvolvimento diz que apenas trabalho da sociedade garante sucesso do país nas novas rodadas de negociação e enumera os desafios a serem enfrentados
Lafer pede "mobilização"

do enviado especial ao Rio

O ministro do Desenvolvimento, Celso Lafer, disse ontem que as três rodadas de negociações comerciais de que o Brasil participará a partir de novembro deste ano requerem "empenho e mobilização da sociedade brasileira".
"É preciso trabalhar com seriedade, não permanecer numa agitação feroz e sem finalidade", afirmou Lafer, citando verso do poeta Manuel Bandeira para fazer referência indireta aos ataques que vem sofrendo de pessoas que desejam sua posição no ministério.
O poema de Bandeira, chamado "Momento num Café", fala de um grupo de homens que assiste, num bar, à passagem de um enterro. Um deles sabia que "a vida é uma agitação feroz e sem finalidade/ Que a vida é traição".
Lafer, que até dezembro era embaixador do Brasil junto à OMC (Organização Mundial do Comércio), acha que o Brasil precisa de "um prazo de carência" para lidar com as perspectivas novas que as negociações vão impor.
"Somos um país continental, com uma tendência natural de olhar para dentro", afirmou Lafer, em entrevista à Folha.
Segundo ele, o coeficiente de importação do Brasil, por menor que seja em relação ao de outros países, vai aumentar quando as negociações estiverem concluídas.
"Precisamos criar uma cultura de exportação apropriada a essa nova dimensão", argumenta ele.
O país precisa de reestruturação produtiva, na opinião do ministro, para ganhar escala global. Exemplo de empresa bem-sucedida, desse ponto de vista, é a Embraer, que este mês fechou contratos no valor de US$ 6,2 bilhões.
Na opinião de Lafer, a "variável crítica" da Embraer é sua capacidade de fazer projetos, que deriva em grande parte da sua relação de origem com centros de tecnologia, como o CTA (Centro Técnico Aeroespacial) e o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica).
"Ciência e tecnologia em escala são um dado-chave". Além disso, no entanto, o país tem de se preocupar em reduzir o "custo Brasil", as falhas de sua infra-estrutura e de seu sistema tributário que encarecem a produção de bens.
Outra prioridade para o Brasil se sair bem do desafio das três rodadas de negociações comerciais, segundo Lafer, é implementar os "eixos nacionais de desenvolvimento e integração", conjunto de projetos elaborados pelo BNDES.
Os eixos, que foram incorporados pelo Plano Plurianual do governo federal, fazem um diagnóstico da economia da geografia do país, inclusive do Mercosul.
Mais um conceito que Lafer considera importante que o Brasil incorpore: o de redes.
Ele imagina pequenas e médias empresas que operem ancoradas em grandes corporações: as grandes precisam de insumos de qualidade, as menores necessitam de acesso a tecnologia. É uma das fórmulas de Lafer para obter o que chama de "adensamento das cadeias produtivas".
A formação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), o novo acordo mundial de comércio (Rodada do Milênio) e a associação União Européia-Mercosul vão abrir mercados para produtos brasileiros, em especial agrícolas.
Mas, em contrapartida, o Brasil vai ter de dar mais acesso a outros países em seus próprios mercados, em particular de bens e serviços.
Na sua avaliação, a data de 2005, que vem sendo usada pelo governo brasileiro como parâmetro para o encerramento dos três processos de integração comercial, é suficiente para as necessidades do país de se adaptar à nova realidade.
"Desde que haja mobilização nacional em torno de coisas sérias", adverte. No entanto, com base na experiência que teve em outro processo internacional, o da Rodada Uruguai (que resultou na formação da OMC), Lafer adverte que os prazos são mutáveis.
"A Rodada Uruguai demorou muito mais do que se previa ao início. Mesmo assim, só foi politicamente possível porque a Guerra Fria acabou. Se não, poderia ter demorado muito mais", diz ele.
Se não houver "acidentes imprevisíveis", um lustro ("para usar expressão da Faculdade de Direito") é tempo razoável.
(CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA)

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