São Paulo, domingo, 30 de julho de 2006

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JANIO DE FREITAS

Vida e morte

Governantes de Israel dizem que sua guerra quer extirpar atos contra israelenses; não há como crer nessa afirmação

SERIA MUITO degradante para todos nós, indiferentemente de quem sejamos no mundo ocidental, que o longo e penoso caminhar dos judeus no tempo, em busca de sua casa na Terra, tivesse como chegada uma grande base de guerreiros, incapazes de deter-se na aplicação contra alheios, década após década, de muito do que os próprios judeus padeceram no andar dos milênios.
Os governantes e a maioria com poder de voto têm induzido a fisionomia que deforma Israel, pela doutrina da força ampla e cega como única voz nacional contra os espasmos da fragilidade vizinha.
Mas não faltam gente e gestos a louvar em Israel, só guardados do conhecimento merecido dada a interessada cautela da mídia, mundo afora, no trato de assuntos relativos a Israel. Cautela a lamentar, mas não injustificada.
É a ocasião de louvar, por exemplo, o numeroso grupo de pilotos israelenses que decidiram não mais atacar, com foguetes e bombas, a população civil palestina. A primeira punição foi-lhes imediata, com a cassação de suas licenças de vôo - providência que a FAB adotou entre nós, em 64, como represália a pilotos, militares ou não, que não aderiram às ações golpistas. Aqueles pilotos, agora não-pilotos, de Israel são simbólicos da multidão que resiste por vozes individuais, nas poucas palavras pintadas em tiras de pano simples, ou nos refrões que a surdez belicista do poder não ouve, como não se interessa por um ou outro artigo de jornal que ainda sonha com a lucidez.
Mas os ex-pilotos de Israel me lembram o outro simbolismo da sua classe. Os pilotos de caça, com seus vôos mirabolantes e a vida no imponderável, tornaram-se símbolos do heroísmo cobrado por tantos progressos tecnológicos, entre o chão e a Lua.
Foram os heróis românticos da guerra que iniciou o século passado e da Segunda Guerra Mundial, que diziam ser o fim de todas as guerras. Hoje, e desde o Vietnã, podem ser vistos como simbólicos de uma categoria de criminosos de guerra, potenciais ou efetivos, com seu novo encargo de massacrar populações civis, indefesas e inocentes.
No Líbano, a estimativa da ONU é a de que um terço das mortes civis sejam crianças. (Ah, como é difícil escrever uma frase dessas com frieza "jornalística").
Os governantes de Israel sucedem-se na afirmação de que sua ferocidade guerreira tem o objetivo de extirpar os focos de atos hostis que vitimam israelenses. Não há como crer na afirmação.
É mais fácil e lógico admitir que o poder político-militar é indiferente às tristes vítimas de atentados e de incursões vingativas em Israel. Primeiro, por serem pouco numerosas na aritmética da política e do militarismo. Mais ainda, como o governo Bush explica tão bem, porque dão pretexto involuntário ao clima de guerra que congrega sustentação política para o grupo no poder. Mais mortes, longa vida.
É uma das regras fundamentais do que leva o nome de Cultura Ocidental, e não se sabe bem o que é, mas sabe-se do que é capaz.


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