São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 2004

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ANISTIA

Intenção é conseguir declaração póstuma da condição de anistiado político para o presidente deposto João Goulart

Família pede reparação da imagem de Jango

Alexandre Campbell/Folha Imagem
A viúva de Jango, Maria Thereza, e seu advogado Gilmar Stelo na residência da filha dela, no Rio


ANA FLOR
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

A família do presidente deposto João Goulart protocola hoje na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, em Brasília, o primeiro pedido de reparação da imagem de um ex-presidente da República no Brasil.
A família pede uma declaração póstuma da condição de anistiado político para o presidente e para a viúva, Maria Thereza, a reparação econômica em parcela única e uma pensão retroativa à morte de João Goulart, ocorrida no ano de 1976.
Maria Thereza, 67, vive no Rio de Janeiro e já recebe, desde o início da década de 90, uma pensão correspondente ao salário integral do presidente da República -em torno de R$ 8.800.
Deposto pelo regime militar, João Goulart morreu em sua fazenda, na província de Corrientes, na Argentina.
Foi o único presidente a morrer no exílio. Seu corpo voltou ao Brasil para ser enterrado em São Borja (RS). Apenas depois da morte de João Goulart sua família pôde voltar ao país.

Reparação
Em entrevista concedida à Folha ontem, na casa da filha Denise, 45, no Rio, Maria Thereza disse que decidiu pelo pedido de reparação na tentativa de obter uma correção histórica.
"Jango [como era conhecido o presidente João Goulart] era um homem que amava o Brasil e tinha grandes idéias para o seu país", disse. "Não é que ele seja menos lembrado que outros presidentes. Ele simplesmente não é lembrado."
João Goulart, que assumiu a Presidência em 1961, com a renúncia de Jânio Quadros, foi deposto em 1964. Logo depois do golpe militar, a família foi viver em Montevidéu, no Uruguai.
Maria Thereza diz que também foi motivada a entrar com o pedido na comissão pelos danos que a família sofreu. Durante os 12 anos de exílio, eles viveram entre o Uruguai e a Argentina, sofrendo ameaças e sob forte segurança.
Segundo ela, os dois filhos -Denise e João Vicente, 46- foram afastados dos amigos, alfabetizados no Uruguai e perderam laços com o Brasil. "Eu me sentia uma estrangeira no exílio, mas havia perdido as raízes do Brasil", disse Denise.
Em 1976, com o recrudescimento dos governos militares na Argentina e Uruguai, a família planejou se mudar para a Europa. Segundo Maria Thereza, com os dois filhos vivendo em Londres, o plano do presidente era se transferir para Paris. "Ele voltou da Europa em outubro para acertar os detalhes da mudança, mas morreu em dezembro."
A viúva conta que o corpo de Jango só foi enterrado no Rio Grande do Sul com a ajuda de políticos amigos, como o senador Pedro Simon. "Com muita luta conseguimos trazer o Jango", disse Maria Thereza.

Sem pompa
Além de o ex-presidente nunca ter sido incluído entre os anistiados, seu enterro, durante os anos mais duros do regime militar, não teve a pompa presidencial nem houve decretação de luto oficial. "Chegaram a proibir que o Congresso deixasse a bandeira a meio-mastro", afirmou ela.
O advogado da família, Gilmar Stelo, acredita que este é o primeiro processo para o reconhecimento histórico de um presidente deposto na América Latina. "É a chance de se fazer uma correção histórica."
Maria Thereza diz que a trajetória de Jango a tornou uma decepcionada com a política. Em 2000, quando um de seus netos quis concorrer a vereador para entrar na vida pública, ela fez de tudo para que ele desistisse da idéia. "Não quero mais a política na vida desta família", afirmou.
Procurado ontem, o presidente da comissão, Marcelo Lavenére Machado, disse que não se pronunciaria sobre o pedido porque pode vir a julgá-lo futuramente. O processo será protocolado e depois submetido à análise de um conselheiro-relator.


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