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MEMÓRIA
Ministério da Justiça redescobre filmes e pareceres de autoridades da época em que a cultura estava submetida à tutela estatal
Governo recupera documentos da censura
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Numa operação de garimpagem, o Ministério da Justiça recuperou, em Brasília, fragmentos da
história de 50 filmes censurados
pelo regime militar. Entre os resgatados estão os documentários
"Muda Brasil" (1986), de Oswaldo
Caldeira, e "Jango" (1984), de Silvio Tendler, e os longas "Kuarup"
(1988), de Ruy Guerra, e "Matou a
Família e Foi ao Cinema" (1969),
de Júlio Bressane.
A memória das fitas proibidas
-que inclui pareceres de censores com as razões apresentadas
para a proibição- surgiu de documentos esquecidos nos armários do ministério e de arquivos
pessoais de antigos funcionários
do órgão.
Em parceria com a UnB (Universidade de Brasília), o ministério pretende, com base na análise
dos argumentos utilizados pelos
censores para proibir ou cortar os
filmes, mostrar exemplos concretos de que a classificação indicativa da programação feita hoje não
é censura.
"Não adianta eu dizer que o
nosso trabalho, de classificação, é
democrático, que tem perfil pedagógico e informativo. Preciso de
elementos para que as pessoas
possam comparar e comprovar
isso", diz José Eduardo Romão,
diretor do Departamento de Justiça e Classificação do ministério.
"A censura escolhia o que as
pessoas iriam assistir. Nós informamos o que elas poderão ver, se
quiserem", diz Romão. Ele não
descarta que haja subjetividade
na classificação do conteúdo exibido nos cinemas e nas TVs hoje.
Afirma, no entanto, que esse caráter subjetivo está sob controle por
conta de parâmetros técnicos que
vêm sendo construídos, pelo ministério, em audiências públicas
com a população, educadores e
especialistas de diferentes áreas.
Exemplo do que mudou desde a
ditadura está na reclassificação do
longa "O País dos Tenentes"
(1987), que havia sido proibido.
Analisado à luz dos novos critérios -basicamente cenas de violência, sexo e drogas-, o filme
agora é "livre".
Em 1988, a nova Constituição,
ao banir a censura, definiu que o
conteúdo exibido ao público passaria por uma classificação. Na
ocasião, a Divisão de Censura e
Diversões Públicas da Polícia Federal, responsável pela análise do
conteúdo da programação exibida à população, enviou para o Arquivo Nacional toda a documentação de que dispunha. Mas, sabe-se agora, ficaram para trás, perdidos, fragmentos dessa história.
Alguns deles também estão espalhados nas sete salas de projeção utilizadas pelo serviço de censura no primeiro subsolo do edifício sede da Polícia Federal, em
Brasília. Resumem-se a duas máquinas de projeção (para fitas de
16 e 35 milímetros), uma dezena
de latas de filmes inteiros em película e pedaços de tantos outros
sem identificação.
Entre os pedaços de filmes encontrados pela Folha no local estão cenas de "Bum Bum de Ouro", "A Fábrica de Camizinhas"
(sic), "Yayá Garcia", além de episódios dos desenhos animados
Popeye e Scooby-Doo.
Em uma das seqüências, sem indicação de título, o diálogo de um
casal de jovens esfria uma cena
que deveria ser picante na época.
Pergunta: "É errado, não é, ter desejo que a gente sabe que deve recalcar?" Resposta: "É. A gente deveria reprimi-los."
Faroeste caboclo
Nos arquivos pessoais da delegada federal Viviane da Rosa, que
trabalhou na censura da PF em
seus últimos três anos de existência, a Folha encontrou um conjunto de pareceres sobre músicas,
filmes, peças e programas de TV.
Entre as músicas, a indicação
para veiculação "restrita" de "Faroeste Caboclo", de Renato Russo, "pelas referências a drogas
abordadas na composição e pelos
termos e expressões vulgares".
O relatório de missão 373/DF,
de 23 de novembro de 1987, cujo
alvo era "a programação noturna
da TV Globo", afirma que "o filme "Gigolô Americano", que apresentava corte [determinado pela
censura], foi exibido de acordo
com o certificado anexo, isto é, o
corte foi obedecido".
Presente ao ensaio geral da peça
"O Santo Inquérito", de Dias Gomes, em 6 de novembro de 1987, a
censura sugeriu o rebaixamento
da faixa etária permitida de 14 para 10 anos. Motivo: "houve modificações supressivas que reduziram consideravelmente o clima
de tensão".
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