São Paulo, quinta-feira, 31 de maio de 2001

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JANIO DE FREITAS

Renúncia sem renúncia

"...Para voltar a esta casa ou, quem sabe, além dela" é uma idealização de futuro que não nega a renúncia, mas a define como intervalo que não é pausa e, no empenho de subjugar a derrota, retoma um propósito já manifestado e depois silenciado por Antonio Carlos Magalhães: fazer, a partir da Bahia, uma campanha de denúncia e cobrança em âmbito nacional.
"Além dela", alusão à Presidência, tem uma amplitude que alcança as várias pretensões à sucessão presidencial, o PFL, a aliança PSDB-PFL-PMDB e, sobretudo, Fernando Henrique Cardoso e seus graves problemas sucessórios. Se esse alcance tende a ter intensidade de fato influente, não há como pressenti-lo em uma situação tão caótica e farta de variantes possíveis, como a atual. E como a situação do próprio Antonio Carlos Magalhães, cuja renúncia não parece abrandar as diversas disposições de acuá-lo política e judicialmente.
É na linha mesma da idealização insinuada sutilmente que se encontra o trecho mais alto do discurso de renúncia: "A minha vida só tem sentido se eu continuar radicalizando cada vez mais na direção do que é correto". Um frase voltada para amanhã, porém com um sentido que lhe vem, não do futuro pretendido, se não do passado recente que só intenções baixas podem negar.
A verdade é que Antonio Carlos Magalhães redimiu com seus anos no Senado muito do que o tornara difundidamente detestado. Trabalhou como raros trabalham ali, foi leal ao interesse do país e a única voz na "aliança governista" a não se aninhar, subserviente, no caráter anti-social da política econômica. É esse passado recente, seis anos e tal, que pode dar sentido ao propósito de Antonio Carlos de seguir "na direção do é correto", e cada vez mais radicalmente. No Senado, aliás, só a oposição não percebeu que a Bahia para lá mandara um inesperado radical.
O discurso de renúncia não foi linear. Perdeu-se com frequência em ressentimentos que dizia inexistirem. Os anúncios de ataques criaram expectativas que as ironias e as farpas não poderiam satisfazer. E havia ainda, entre os senadores, o suspense maior suscitado pela lista de votos na cassação de Luiz Estevão. A referência de Antonio Carlos tanto frustrou como aliviou, dependendo de cada senador: "Cópias, podem existir algumas. Não comigo".
Existem e assim mesmo, no plural: cópias, algumas. Com quem -eis a questão.
Apesar de tudo o que pode lhe ser imputado por seu passado e pelo presente onde exerce a sua força prepotente, a verdade é que a renúncia de Antonio Carlos Magalhães privou o Senado de um senador. De muito poucos, entre os 81 senadores, se poderia dizer o mesmo.


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