São Paulo, domingo, 31 de maio de 1998

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DATAFOLHA
Com o rumor de queda da intenção de voto em Fernando Henrique, mercado sofreu queda de 3% na sexta
Impacto de pesquisa atingirá Bolsa amanhã

CELSO PINTO
do Conselho Editorial


Uma parte da queda de 3% na Bolsa de Valores, sexta-feira, já embutiu o impacto negativo da pesquisa Datafolha, publicada ontem, na qual o presidente, pela primeira vez, está em situação de empate técnico com Lula. Ainda assim, o golpe só deverá ser plenamente absorvido pela mercado nesta segunda-feira.
No meio da tarde de sexta-feira, já havia rumores no mercado sobre duas pesquisas em que o presidente ficaria em posição incômoda, uma delas a do Datafolha. Até em Nova York, o diretor de um banco europeu conhecia, sexta-feira à noite, o que eram, ainda, boatos.
Quem soube, ajudou a derrubar os preços das ações e a afetar o preço dos títulos da dívida externa brasileira, os "bradies". Uma boa parte do mercado, contudo, especialmente no exterior, só vai reagir nesta segunda-feira, o que pode complicar, mais uma vez, a vida dos ativos brasileiros.
A verdade é que o mercado financeiro subestimou, durante muito tempo, o risco de volatilidade gerada por incertezas políticas neste ano eleitoral.
Mesmo depois da crise de outubro e da forte reação do governo, a variável política ficou, virtualmente, fora das projeções.
Em janeiro, o Instituto Fernand Braudel promoveu uma discussão sobre as perspectivas para este ano. Estavam presentes mais de dez economistas de alguns dos maiores bancos nacionais e estrangeiros que operam no Brasil.
Os cenários variaram. Havia maior e menor otimismo em relação ao crescimento, ao resultado fiscal do pacote de outubro, à trajetória das taxas de juros, à duração e repercussão da crise asiática e assim por diante.
Nenhum único economista, contudo, mencionou sequer a possibilidade de que a combinação entre aumento de desemprego e retração na economia pudesse afetar seriamente a posição do presidente Fernando Henrique Cardoso nas pesquisas eleitorais e de que isso pudesse trazer volatilidade aos mercados.
O único ponto no qual havia consenso era que a reeleição era mais do que provável e que não deveria haver surpresas no cenário político.
O que isso quer dizer? Que o mercado financeiro, em larguíssima medida, subestimava a possibilidade de reveses políticos. Como o mercado antecipa tudo o que imagina que ocorrerá, de bom ou de ruim, isso significa que a hipótese de complicar a reeleição não estava embutida nos preços dos ativos (ações, títulos da dívida brasileira etc.).
Em boa medida, ainda não está. Embora pareça óbvio que nenhum presidente, em país nenhum do mundo, consegue ganhar popularidade com aumento de desemprego e retração na economia, o mercado não levou isso na devida conta. Só nas últimas semanas, com os primeiros recuos do presidente nas pesquisas e a crescente tensão social, no Nordeste e nos grandes centros, passou-se a considerar mais seriamente a variável política.
Existem exceções. Um banco de investimentos que administra alguns bilhões de dólares de investidores locais e externos teve uma longa reunião na quinta-feira (antes dos boatos da pesquisa), para discutir a conjuntura.
A questão política veio à mesa e, a certa altura, um participante ousou pensar, em voz alta, o impensável: e se Fernando Henrique Cardoso não chegar ao segundo turno? Ninguém mandou interná-lo em nenhum hospício. Ao contrário, discutiram-se vários cenários alternativos.
Que fique claro: qualquer cenário no qual a reeleição esteja ameaçada será visto com enorme desconfiança pelo mercado financeiro. As dúvidas sobre o futuro da política cambial, que já existem, seriam levadas ao extremo. As privatizações e até a administração da dívida interna passariam a ser questionadas.
É claro que a reeleição de Fernando Henrique continua sendo o cenário mais provável e ainda existe muito tempo para o governo se recuperar nas pesquisas.
Ainda assim, a pesquisa do Datafolha serve como um choque de realismo para os que descartavam qualquer turbulência no front político.



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