São Paulo, domingo, 31 de maio de 1998

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NORDESTE
Prociura por hospitais psiquiátricos aumenta entre 20% e 30%; maioria de doentes são trabalhadores rurais
Seca e fome acirram distúrbios mentais

FÁBIO GUIBU
da Agência Folha, em Ouricuri (PE)


A miséria provocada pela estiagem que atinge o sertão nordestino está modificando comportamentos em comunidades pobres e transformado sertanejos dessas regiões em pessoas agressivas e confusas.
Filhos da pobreza e da falta de perspectiva de vida, os "loucos da seca" são hoje o retrato da crise social que se instalou nos grotões do Nordeste com o desemprego, a fome e a falta de chuva.
Eles são, em sua maioria, lavradores sem trabalho e inconformados com a qualidade de vida que levam. Moram em casas de pau-a-pique, onde a comida é escassa. A pouca água disponível é salobra ou vem de pequenos e barrentos açudes.
No maior hospital psiquiátrico da região, a Casa de Saúde Santa Tereza, em Crato (sul do Ceará), a procura por atendimento aumentou entre 20% e 30% desde o início do ano, no período de estiagem.
Segundo a diretora da instituição, Helenita Santos Telles, uma média de 15 pessoas com supostos problemas mentais procuram atendimento todos os dias no local. Desses, apenas cinco são internadas, por falta de vagas.
A instituição, que mantém convênio com o SUS (Sistema Único de Saúde), atende pacientes de cerca de cem municípios do sertão do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Piauí. A miséria é responsável pelos surtos de desequilíbrio e desvios de comportamento, segundo moradores dessas regiões.
"Quando a fome vem e não tem comida, as pessoas endoidecem", disse a agricultora Francisca Siqueira. Ela é irmã de Ivonete Siqueira da Silva, 35, que se tornou agressiva e arredia desde que passou a enfrentar dificuldades para criar a filha Bruna, 5, com quem mora em um barraco na zona rural de Ouricuri (sertão de PE).
Ivonete quase não sai de casa e, quando não tem o que comer, diz a irmã, é capaz de jogar pedras nas pessoas que tentam se aproximar. Francisca e um primo ergueram um barraco ao lado e sustentam a menina Bruna.
Segundo o delegado de base do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ouricuri, Enéas Pereira da Silva, 60, o número de "loucos da seca" cresce na zona rural, na mesma proporção em que a estiagem se prolonga e a crise se agrava. "A loucura está virando uma coisa cada vez mais comum no sertão por causa da fome."
A agressividade e a confusão mental, disse Silva, são os sintomas mais comuns entre as vítimas da seca.
O local já teve 280 leitos, mas a crise na saúde e a consequente redução no repasse de verbas obrigaram a direção do hospital a reduzir o número para 198, no período de dois anos.
Os pacientes internados, disse a diretora do hospital psiquiátrico de Crato, passam em média 45 dias no local. Com alimentação, terapia e assistência médica, eles melhoram e voltam para casa.
A maioria, no entanto, afirma Telles, acaba retornando outra vez em crise. "O desespero de viver em situações críticas provoca um estresse que afeta essas pessoas", afirmou a diretora do hospital.
Segundo o psiquiatra da instituição Ridalvo Rocha, a seca não provoca a loucura, mas contribui para que alterações como a violência e a confusão mental se manifestem em pessoas predispostas a apresentar esses problemas.
"A estiagem não é a causa da doença, mas pode ser a gota d'água para que ela se manifeste", afirmou.



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