São Paulo, domingo, 31 de maio de 1998

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CELSO PINTO
Privatização na retranca

A piora nas condições de mercado e nos preços das ações está batendo pesado na privatização brasileira.
Três exemplos: 1) as mudanças no custo real da Elektro, a empresa de distribuição da Cesp; 2) a perspectiva de adiar para 99 a privatização da Bandeirante, distribuidora da Eletropaulo; e 3) uma reestimativa 21% menor, de US$ 64,2 bilhões para US$ 50,7 bilhões, da receita de privatização do Brasil, pelo Citibank.
A Elektro finalmente teve o sinal verde para ser vendida no dia 16 de julho, depois de ter sido obrigada a adiar o leilão anterior, marcado para março. O preço mínimo anterior foi mantido: a parcela de ordinárias que vai a leilão valerá R$ 743,6 milhões. O preço real, contudo, caiu cerca de 14%.
A razão é que, em fevereiro, a Elektro iria absorver R$ 700 milhões em dívidas da Cesp. Em outros termos, quem comprasse pagaria R$ 743 milhões e assumiria dívidas de R$ 700 milhões, um custo de R$ 1,443 milhões. Agora, a Cesp vai repassar R$ 492 milhões de dívidas para a Elektro. Na vida real, o preço caiu R$ 200 milhões, um reflexo das condições piores de mercado.
Outro indício de dificuldades são informações de um grande banco americano de que o governo paulista vai adiar para 99 a venda da Bandeirante, a distribuidora que a Eletropaulo tentou vender, sem sucesso, em abril.
A queda no valor das ações das empresas elétricas foi muito expressiva. Em relação ao pico de preço obtido em outubro, as ações da Cesp caíram 61%. O preço máximo da Eletrobrás foi em julho passado. Hoje o preço é 46% mais baixo. A Telebrás também caiu, mas menos: em relação ao pico de julho, a queda foi de 29%.
Um banco de investimentos calcula o valor teoricamente "justo" das empresas, a partir de uma projeção do fluxo de caixa que elas deverão gerar nos próximos anos. Usando esse parâmetro, o preço das ações da Cesp poderia subir 80% para chegar ao preço "justo", as da Eletrobrás, 75%, e as da Eletropaulo, 150%.
Isso indica o potencial de valorização dessas empresas. No entanto, o parâmetro para a compra e para a obtenção de financiamentos usados nas privatizações é o valor atual de mercado.
Como são empresas de alto custo, tipicamente os compradores têm de obter um empréstimo sindicalizado, para honrar o pagamento imediato da privatização e depois refinanciá-lo através de uma emissão de bônus de longo prazo. Um banqueiro em Nova York comenta que os maiores bancos continuam operando com empréstimos sindicalizados, mas os bancos menores, que ajudam a distribuir os empréstimos, estão retraídos.
Em relação aos bônus, o mercado está virtualmente andando de lado desde o início de abril. Nas últimas semanas aumentou a insegurança em relação aos países emergentes. Além do custo ter subido significativamente, ficou muito difícil colocar novas emissões. Isso complica a montagem financeira para algumas privatizações.
Todos esses complicadores estão refletidos na revisão da receita de privatização brasileira feita pelo Citibank. Em março, o banco calculava a receita de privatização de 1998 ao ano 2001 em US$ 64,2 bilhões. Agora, a estimativa é US$ 50,7 bilhões. A estimativa oficial do BNDES é de US$ 65 bilhões.
O Citi imagina uma receita de US$ 25,9 bilhões este ano, dos quais US$ 6,6 bilhões já foram realizados. Restariam US$ 31,4 bilhões para os três anos seguintes. A privatização tem ajudado tanto a evitar um aumento da dívida interna (ao recomprar dívida antiga), quanto em atrair investimentos externos para financiar o buraco em conta corrente. Considerando o tamanho do buraco externo (acima de US$ 30 bilhões ao ano) e interno (mais de R$ 55 bilhões/ano), os US$ 31 bilhões estão longe de garantir tranquilidade.
A previsão de receita com a Eletrobrás caiu de US$ 20,4 bilhões para US$ 14,9 bilhões, com as elétricas estaduais caiu de US$ 15,3 bilhões para US$ 9,1 bilhões, com telecomunicações, de US$ 16,8 bilhões para US$ 13,9 bilhões. Agora, o Citi imagina uma receita de US$ 38,7 bilhões para o governo federal (e não US$ 46,4 bilhões) e US$ 11,9 bilhões para os governos estaduais (em vez de US$ 17,7 bilhões).
O Citi incluiu nas privatizações deste ano a Elektro e a Bandeirante, mas jogou para 99 a venda das geradoras da Cesp e da "holding" da empresa.



E-mail: CelPinto@uol.com.br




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