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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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PLANTÃO MÉDICO

64,5% dos cargos de direção do ministério e das instituições ligadas à pasta foram dados ao PT e a aliados

Governo loteia cargos de direção da Saúde

GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo federal entregou 64,5% dos cargos de direção do Ministério da Saúde e das instituições ligadas à pasta a médicos e profissionais que têm ligação com o PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O reparte incluiu o PPS e o PC do B, aliados do Planalto no Congresso Nacional.
A assessoria do ministro da Saúde, Humberto Costa, membro do diretório nacional do PT, informou que as nomeações são norteadas pelo tripé "compromisso político, competência técnica e ética".
O compromisso político da cúpula do ministério foi demonstrada por meio do percentual de profissionais filiados ao PT e a partidos ligados ao Planalto. Porém, a crise do Inca (Instituto Nacional do Câncer) colocou a "competência" em xeque. O Ministério da Saúde se empenha para provar que esse é um caso isolado.
O Inca, referência de qualidade no setor público, ficou sem medicamentos básicos, o número de consultas e cirurgias caiu e a diretoria pediu demissão. O então presidente do hospital, Jamil Haddad (PSB), ministro da Saúde na gestão Itamar Franco (1992-1995), foi praticamente convidado a sair do cargo.
O governo suspeita de boicote à gestão de Haddad. Mas o fato é que a diretora administrativa nomeada por ele, Zélia Abdulmacih, não tem nenhuma experiência em gestão hospitalar. Sua principal credencial é a condição de mulher do ex-presidente da Câmara Municipal do Rio, Samy Jorge (PDT), primo de Haddad.
Um segundo episódio aguçou a suspeita de que o "lado político" pode estar se sobrepondo ao critério da "competência". Trata-se da demissão do secretário-executivo da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), Antônio Carlos Andrade, nomeado já sob o presidente Lula. Assessores do próprio ministro informam que a exoneração não se deu apenas como retaliação pelo fato de a mulher dele, a deputada federal Maria José Maninha (PT-DF), ter votado contra a reforma da Previdência.
Andrade, mais conhecido como Toninho, é membro da Força Socialista, uma corrente do PT que, além de ser contrária à reforma previdenciária, trabalha, segundo a visão do governo, contra o Planalto. A exoneração de Toninho foi decidida na Casa Civil, um exemplo público de que rebeldias partidárias não serão toleradas.
"Ou houve erro na contratação do Toninho [no caso de o governo ter descoberto que ele não tem competência] ou na demissão, caso ela tenha ocorrido por motivos políticos", disse Rafael Guerra (PSDB-MG). O deputado preside a Frente Parlamentar de Saúde, que reúne 203 deputados e 19 senadores de vários partidos.

Inexperiência
Guerra afirmou ser plenamente possível conciliar indicação política com qualidade técnica, mas, no caso do Inca, ressaltou, isso não ocorreu. O deputado lembrou que os seis secretários de Costa (os cargos mais importantes da pasta) são técnicos reconhecidos por sua competência.
O secretário de Saúde do Rio, Gilson Cantarino (PSB), presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, disse que o primeiro escalão de Costa tem alto nível, mas ressalva que o governo não pode "cair no erro" de deixar de chamar técnicos competentes por motivos políticos.
A gestão de Costa lida, de resto, com um outro desafio: a inexperiência administrativa de seu principal secretário, Jorge Solla, um petista baiano no trato dos problemas de saúde em nível federal. Ele responde na pasta pela Secretaria de Atenção à Saúde.
O secretário construiu a sua carreira administrativa numa cidade pequena: Vitória da Conquista (BA) (258 mil habitantes), onde foi secretário de Saúde. Ganhou visibilidade ao integrar o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde. O trânsito político entre os gestores municipais rendeu-lhe o cargo.
A gestão de Humberto Costa convive com o risco de novos atropelos. Decorridos oito meses do início do novo governo, ainda há duas diretorias vagas na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Na ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) haverá vaga em dezembro.
Os cinco diretores da ANS têm mandato de quatro anos, renovável por igual período. Em janeiro, foi aberta a primeira vaga da gestão Lula. Foi preenchida depois de quase quatro meses por José Leôncio Feitosa. Vem a ser ex-médico do presidente Lula e da rede pública carioca.
A experiência administrativa de Feitosa, segundo currículo fornecido pelo Ministério da Saúde, resume-se a uma passagem pela subsecretaria da Saúde do Rio em 1999 (gestão Anthony Garotinho). No mandato de Benedita da Silva (PT), Feitosa tornou-se titular da mesma secretaria.
Quando Lula foi derrotado nas eleições presidenciais em 1994 e montou um governo paralelo, Feitosa foi ministro da Saúde do "gabinete sombra". No dia da sua posse na ANS, Feitosa, que estava lendo um discurso, chamou seu novo local de trabalho de "Agência Nacional de Saúde Complementar". O nome correto da instituição é Agência Nacional de Saúde Suplementar.
O próprio ministro da Saúde, segundo a Folha apurou, já conversou com o presidente Lula, sugerindo cuidado técnico especial no caso das agências. Oficialmente, a assessoria de Humberto Costa nega o diálogo.
Na quarta-feira passada, o ministro afirmou que o ministro José Dirceu (Casa Civil) e o presidente Lula jamais lhe indicaram um profissional sem "lado e competência". Disse ainda que sempre pode dar a última palavra em relação à escolha.
Só que uma das últimas nomeações que Costa teve de aceitar foi a de Valdi Camarcio Bezerra, do PT de Goiás, para a presidência da Funasa (Fundação Nacional de Saúde). Na posse, o próprio Bezerra disse que estava no cargo representando o PT.

FHC e Estados
Indicações políticas na saúde não são exclusividade do governo Lula. Na gestão de Fernando Henrique Cardoso isso também ocorreu. O que mudou foi a forma de lotear cargos entre os aliados.
Durante a gestão de José Serra (PSDB-SP) no Ministério da Saúde, o loteamento ocorreu principalmente nos Estados. Dos 29 cargos estaduais da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), pelo menos 11 foram nomeações políticas, divididas entre PP, PFL e PSDB.


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