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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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ELIO GASPARI

Mais uma encrenca no comissariado da Saúde

Nova encrenca no Ministério da Saúde. O companheiro Humberto Costa começará a semana com uma carta em cima de sua mesa. É a renúncia coletiva dos oito membros da Câmara Técnica de Medicamentos, composta por renomados cientistas e médicos. A câmara é (ou era) a encarregada de aprovar novos remédios, antes que a Agência de Vigilância Sanitária lhes dê licença de fabricação no Brasil. Trabalhavam de graça.
Antes de virar Cateme, a câmara já se chamou Conatem (duas vezes), Crame e Caam. Tem um antigo e horrível folclore. Fala-se de um chinês que levou ao protocolo uma pequena caixa com US$ 8.000 dentro. Teria entendido literalmente um recado que pedia dinheiro para a caixinha. Há ainda a antiga lenda de uma tabela de pedágio. Aprovado um remédio, cobravam-se US$ 40 mil das empresas multinacionais pela publicação no "Diário Oficial". Para as nacionais, US$ 5.000. Seria coisa do contínuo.
Os conselheiros tiveram uma má experiência logo nos primeiros meses da administração, quando o médico Sérgio Nishioka foi nomeado para a gerência de Medicamentos Novos, Pesquisas e Ensaios Clínicos da Agência de Vigilância Sanitária.
Na carta que enviaram ao ministro, os médicos reclamam de mudanças ocorridas no pedaço sem que fossem ouvidos. Sempre que a câmara aprovava ou desaprovava um medicamento novo, a decisão ia para a internet. Era um pedido dos conselheiros. À revelia deles, o procedimento foi suspenso. Os médicos acham que isso embaça o processo. Com internet, o pedágio é impossível, o que não significa dizer que sem ela seja automático.
A Anvisa explicou que as decisões da câmara não iriam mais para a internet para evitar que essa instância parecesse definitiva. Nada impediria que as decisões fossem para a internet acompanhadas por esse esclarecimento. A Cateme existe para decidir se um medicamento está nos conformes das normas científicas. Ela nunca procurou ideologia em bula, assim como não se meteu com preços ou marketing. Se o Comissariado da Saúde quiser fazer isso, pode, mas não numa câmara técnica.
Até hoje a Anvisa não liberou duas drogas para o tratamento do câncer de ovário (Doxil) e de pulmão (Iressa) já aprovadas pela Cateme. Pode ser porque os remédios são caros e, se forem aprovados, deverão ser dados de graça à patuléia do SUS.
No núcleo das divergências entre a câmara e o companheiro Nishioka, vê-se uma incompatibilidade de modos. ("Ele não nos deu o respeito devido", diz a professora Regina Scivoletto.) Pode-se crer também que a Anvisa confundiu uma câmara de qualificação científica com uma comissão gestora de política de preços.
O companheiro Humberto Costa já avisou que, para trabalhar no seu aparelho, as pessoas precisam "ter lado". Os oito médicos da Cateme escolheram o lado de fora.

Eles preferiram o lado de fora
Regina Scivoletto, 65, titular de farmacologia da USP.
Elfriede Marianne Bacchi, 50, professora associada da USP.
Artur Beltrame Ribeiro, 58, titular da Escola Paulista de Medicina.
Celso Rotstein, 48, chefe da divisão médica do Hospital do Câncer II.
César Araújo Neto, 50, professor de radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia.
Leopoldo Luiz dos Santos Neto, 46, chefe do Centro de Clínica Médica do Hospital Universitário da UnB.
Luiz César Póvoa, 66, titular de endocrinologia da PUC-Rio e da UFRJ.
Roberto Badaró, 51, professor da Universidade Federal da Bahia.
Severiano Primo da Fonseca Lins Neto, professor assistente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Paraíba.

PSDB do T
O PT e o PSDB começarão a se entender pelo Ceará. Em alguns episódios, já se entenderam.

Itamarataxy
Como se sabe, o governo brasileiro tem uma poderosa política para a África. Numa manhã de domingo (27 de julho), o primeiro-ministro de Moçambique, Pascoal Mocumbi, desembarcou no aeroporto de Cumbica, em São Paulo, e não havia vivalma para recebê-lo em nome do governo brasileiro. Mocumbi viajou em caráter pessoal, tratou de sua saúde e voltou para Maputo na semana seguinte.
Nunca aconteceu de se esquecerem de receber um visitante francês ou sueco, mas são coisas da vida. Há coincidências que só acontecem aos africanos.
No Itamaraty, há pelo menos uma versão para o caso: num mexe-mexe com os computadores de sua representação em São Paulo, perdeu-se a mensagem que pedia o envio de um diplomata a Cumbica para receber o doutor Mocumbi.
Tradução: o desembarque do primeiro-ministro de Moçambique não mereceu um telefonema de Brasília para sua representação em São Paulo. O assunto tramitou como tramitam os boletos de chamadas nas centrais de radiotáxi.

Três lances de um Brasil brasileiro
O programa Petrobras Fome Zero, o município de Upanema (RN) e uma carioca de almanaque de nome Maria Augusta Carneiro Ribeiro se encontraram numa bonita história de um Brasil que melhora ou, pelo menos, de um Brasil que pode melhorar.
Upanema surgiu em 1953, tem uns 12 mil habitantes. Fica perto de Mossoró, e 85% de suas famílias vivem com renda inferior a dois salários mínimos. Perto da metade dos adultos tem menos de um ano de escola. Nove em dez crianças são servidas por água ruim. Saneamento, nem pensar. A solidariedade dos miseráveis assentou perto de 300 famílias no pedaço. Plantam frutas, sobretudo melão.
Em 1997, a Petrobras andou por lá procurando óleo. Achou água, tapou o buraco e foi embora. Há poucos dias, ela terminou a limpeza do poço e amanhã ele começa a molhar roças em Upanema. Há, em Mossoró, 26 petroleiros aposentados dispostos a ajudar a escola recuperada com a ajuda de uma ONG. A Embrapa se juntou à Petrobras para melhorar os cultivos da terra. Foram mapeados 3.000 pontos onde se taparam poços d'água. Por incrível que pareça, nunca foi política da Petrobras perguntar se a comunidade precisava dela.
Essas atividades são parte do Petrobras Fome Zero. O programa custará R$ 300 milhões em três anos. No pacote, a empresa ampliará o seu programa de voluntariado. Atualmente, ela tem cerca de mil voluntários. Um programa da refinaria Duque de Caxias ampara clubes de futebol de jovens. As meninas são as campeãs da Baixada. O clube dos petroleiros de Salvador tem uma escola profissionalizante, ajudada por aposentados. A coordenação do serviço de voluntários da Petrobras acredita que, com algum método, será possível mobilizar 5.000 voluntários dentro da empresa.
É nessa hora que Maria Augusta Carneiro Ribeiro entra na história. Os brasileiros que acompanharam a cena de 1969 a conhecem de vista. É Helena, a morena da fotografia dos 15 presos trocados pelo embaixador americano Charles Elbrick, aquela cuja minissaia foi notada pelo "New York Times". Foi a guerrilheira Natasha nos treinamentos de Cuba, passou pela Argélia e foi a combatente Cláudia no Chile até que, em 1973, com o fim do governo de Salvador Allende, tornou-se de novo Maria Augusta, uma refugiada recebida pela Suécia. Lá, teve um filho que, até os dois anos e meio, não podia retornar ao Brasil porque era apátrida. Maria Augusta teve cinco casamentos e três filhos, com os quais vive em Botafogo. Tornou-se ouvidora da Petrobras e é ela quem cuida do voluntariado da empresa. Tem 6.000 aposentados prontos para ajudar. Desde menina, tem uma enorme fé no gênero humano.

Empulhemos
Em janeiro, os sábios do Banco Central diziam que o Brasil cresceria 2,8% neste ano. Passará raspando por 1%.
Desindexando-se a previsão de 3,5% para 2004, feita na quinta-feira, vem aí um crescimento inferior a 2%.

Lição de Carlito
Em 1969, Dulce Maia, irmã de Carlito Maia, militava na organização que explodiu uma bomba no QG do Exército em São Paulo. Foi presa, passou pelos infernos da tortura, foi banida e regressou ao Brasil com a Lei da Anistia, em 1979. Há dois anos, descobriu que o seu nome ainda estava no cadastro de delinquentes (do qual a burocracia policial havia retirado o de FFHH). A tucanada prometeu consertar o erro.
Outro dia, Dulce, hoje com 65 anos, verificou que continua no cadastro, listada a pedido do Departamento de Investigações Criminais do governo tucano paulista.
Não custa reparar o erro desse e de outros casos semelhantes. Como dizia Carlito: "Precisamos de muito pouca coisa. Só uns dos outros".

Perigo à vista: o fechamento dos portos
A reação americana e da ONU ao terrorismo internacional obrigará a caciquia de Pindorama a tomar medidas efetivas para combater o contrabando em seus portos ou, pelo menos, no de Santos. Se o governo brasileiro não se mexer, as exportações nacionais para os Estados Unidos serão prejudicadas tanto pela perda de velocidade como pela possibilidade da perda de acesso aos portos americanos.
Depois do 11 de Setembro, o governo Bush reviu ao seu estilo as leis portuárias americanas. Numa das mãos, a cenoura: selecionou 38 portos que, se aceitarem normas e auditoria do governo dos Estados Unidos, poderão embarcar contêineres que entrarão num canal expresso, o "verde". Entre esses portos poderá estar o de Santos e, talvez, o de Recife. As condições foram apresentadas ao governo brasileiro há duas semanas.
Exigem uma vigilância americana permanente e o respeito a regras jamais cumpridas por cá. Na outra mão, mostraram o porrete: os navios que partirem de portos que não conseguiram acompanhar outro conjunto de normas, aprovadas pela ONU, não poderão atracar nos Estados Unidos ou na Comunidade Européia. Tudo isso entra em vigor em julho de 2004.
Os portos brasileiros não têm um sistema padronizado de segurança. Alguns não têm sistema nenhum. Noutros, funciona melhor o sistema de contrabando que o de vigilância. Em alguns portos particulares, contudo, os empresários já saíram na frente.
As normas da ONU (que os EUA apadrinharam) foram aprovadas no final do ano passado. O governo brasileiro dormiu em berço esplêndido. Tendo começado a trabalhar no final de julho, dificilmente o serviço ficará pronto até o ano que vem. Até agora, estouraram todos os prazos do cronograma da ONU. Quando os comissários de Brasília perceberem que essa preguiça pode dar um teco nas exportações nacionais para o monstro imperialista (os EUA compram 25% do que o Brasil vende, coisa de US$ 176 bilhões no ano passado), talvez o barco já tenha partido.


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