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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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CÂMARA OCULTA

Filhos, mulheres, irmãos e cunhados são lotados na administração da Casa, mas atuam nos Estados

Deputados dão 50 cargos vips a parentes

EDUARDO SCOLESE
JAIRO MARQUES
DA AGÊNCIA FOLHA
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O deputado federal Eduardo Seabra (PTB-AP) encaixou dois filhos na Câmara dos Deputados. O mais novo, Rafael, 23, está lotado em Brasília, mas lá, segundo colegas servidores, não aparece "há muito tempo".
A ocupação do mais velho, Eduardo Júnior, 28, também lotado no Distrito Federal, foi relatada pela mãe, Jurema. De Macapá (AP), por telefone, ela explicou: "O Eduardo está morando em Belém [Pará] para fazer faculdade de engenharia".
Os filhos de Seabra seriam casos banais de nepotismo no Legislativo, não fosse por um detalhe: eles não estão lotados no gabinete do parlamentar, mas, sim, em cargos vips, os chamados CNEs (Cargos de Natureza Especial), que nada têm a ver com o apoio à representação do mandato popular.
São cargos "encontrados na administração da Casa", segundo o ato da Mesa Diretora número 45/ 96. No papel, não há nenhum vínculo entre filhos e pai. Eduardo é lotado na liderança do PTB, e Rafael, na Procuradoria Parlamentar. Na prática, porém, ambos estão sob a proteção do deputado.
A família Seabra não está sozinha. Levantamento da Folha com base na leitura de 150 boletins administrativos editados na gestão do presidente João Paulo Cunha (PT-SP) revelou que 50 parentes de parlamentares -34 filhos, seis mulheres, cinco irmãos, três sobrinhos e dois cunhados- são CNEs lotados em áreas diversas da administração da Casa e das lideranças partidárias.

Negócios de família
Os parentes foram contratados com indicação de 43 deputados -8% do total da Câmara, ao custo anual aproximado de R$ 1,3 milhão só com os salários. Os CNEs, cargos de livre provimento, sem concurso público, recebem entre R$ 1.680 e R$ 7.428.
De acordo com o levantamento da reportagem, pelo menos outras dez pessoas que ocupam ou ocuparam por alguns meses no ano de 2003 cargos vips têm parentesco de primeiro grau com políticos de fora da Câmara ou com deputados não-reeleitos.
Os CNEs são distribuídos aleatoriamente entre os deputados pela Mesa e pelas lideranças partidárias. Além disso, todo parlamentar já conta com uma verba de R$ 35 mil mensais para a contratação de 5 a 20 secretários parlamentares por gabinete. Esses funcionários (os chamados SPs) têm autorização para trabalhar nas bases dos deputados.
Reportagens anteriores da Folha indicaram que os CNEs estão atuando em trabalhos políticos para deputados e lideranças partidárias. Oficialmente, deveriam estar em seções da Mesa, lideranças, comissões e órgãos administrativos, como a Cope (Coordenação de Programas Especiais), que atende servidores viciados em drogas ou álcool.
No caso dos parentes, muitos deles nem sequer fazem assessoria política a deputados e partidos. Alguns simplesmente recebem salários enquanto cursam universidades, tocam seus próprios negócios ou cuidam dos interesses da família.

País afora
O perfil desses parentes de deputados é basicamente o mesmo: jovens universitários, com pouca ou nenhuma experiência política e que recebem salários dos cofres públicos sem manter uma rotina de trabalho na Câmara.
Funcionários comissionados da Casa, a irmã de Roberto Jefferson (PTB) mora em Petrópolis (RJ) e "cuida das correspondências" do deputado; dois filhos de Arnon Bezerra (PSDB) estudam em Fortaleza (CE); duas filhas de Raimundo Santos (PL-PA) estão no Pará, sendo que uma terceira foi exonerada há dois meses; e a filha de Romeu Queiroz (PTB-MG) tem escritório particular em Belo Horizonte (MG). A seguir, quatro casos selecionados pela reportagem entre os 50 apurados em 20 Estados e no Distrito Federal:
1) José Maurício Cavalcanti Ferreira é filho do deputado e segundo-secretário da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). Em maio passado, foi nomeado na Cope em um cargo que prevê salário mensal de R$ 7.428.
Morando em Recife (PE), o filho do deputado vive uma outra rotina. Na última terça-feira, ele mesmo afirmou, antes de bater o telefone: "Cuido de assuntos políticos em termos de assessoria. Assessoria também ao deputado Severino Cavalcanti, aqui em Recife e em Brasília também".
2) Thiago de Carvalho Freitas, filho do deputado Ricarte de Freitas (PTB-MT), foi nomeado pela presidência da Câmara para atuar na diretoria-geral da Casa. Seu cargo prevê salário mensal de cerca de R$ 2.500.
Thiago, entretanto, trabalha em uma empresa de assessoria de comunicação de Brasília. Na semana passada, desligou abruptamente o telefone quando foi indagado pela reportagem sobre como consegue conciliar os trabalhos na diretoria da Câmara e na assessoria de imprensa.
3) Nomeado para trabalhar na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público desde abril deste ano, Carlos Felipe, filho do deputado João Leão (PL-BA), dá expediente no escritório do parlamentar, em Salvador.
Carlos não vê problemas em ter um cargo na Câmara sob a proteção do pai, que acumula a presidência estadual do partido. "Eu trabalho." Carlos Felipe, cujo cargo prevê um salário de R$ 1.680, afirma desconhecer o fato de estar lotado em um setor técnico da Casa. O deputado do PL também encaixou na Câmara um sobrinho, Gustavo Pedrosa.
4) No município paranaense de Francisco Beltrão (490 km de Curitiba) vive Eduardo André, filho do deputado Nelson Meurer (PP-PR). Lá, ele divide seu tempo entre os negócios de um irmão e a fazenda da família.
Eduardo André está lotado na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, cuja atribuição é controlar os gastos públicos. Na comissão, ele ocupa um cargo que prevê salário aproximado de R$ 2.000. Na última segunda-feira, um irmão de Eduardo, Nelson, explicou que não era possível localizá-lo. "Ele [Eduardo] foi para a fazenda e não tem dia para voltar. Lá não tem telefone".


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