São Paulo, terça-feira, 31 de agosto de 2004

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JANIO DE FREITAS

Supremas dúvidas

Ninguém deu a menor bola para o comunicado do presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. Não é um tratamento apropriado para o presidente do Supremo. Ou não era. Nos tempos em que o povaréu via o Supremo como poder independente e altaneiro. (Se alguém disser, diante dessas considerações, que o povo é muito dado a crendices, fique claro que não fui eu, pelo menos assim de público).
Bem, de volta ao novo freqüentador de rodas palacianas e petistas, o ministro Nelson Jobim pretende mandar ao Congresso uma proposta de aumento do teto salarial do funcionalismo civil, passando-o de R$ 19,1 mil para no mínimo R$ 23 mil. O teto é determinado pela soma de vencimentos de ministro do Supremo que acumule a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (os ministros não perdem mais a acumulação, depois de sua breve passagem pelo TSE).
Um dos aspectos interessantes na intenção do ministro Nelson Jobim é que foi tornada pública paralelamente ao seu voto, no Supremo, contra os servidores públicos, ou seja, aprovando o desconto nas aposentadorias a título de contribuição previdenciária. O acaso da simultaneidade, porque só pode ter sido acaso, poderia sugerir a maldosa dedicação de que o ministro tratou de dar um polimento na imagem pessoal, junto aos atuais e aos futuros aposentados do funcionalismo.
Mais interessante, porém, é que Nelson Jobim votou pelo desconto das aposentadorias, criado no governo Lula, com dois argumentos ditados por sua alta sabedoria jurídica: "taxação não tem direito adquirido" e "não descontar causaria enorme rombo nas contas públicas".
Aqui mesmo já foi dito que, causar, não causaria, porque o rombo já existe. E, das profundezas de minha ignorância jurídica ou, a rigor, geral, algo me diz que contribuição previdenciária não é imposto. Como o nome indica, e o nome não foi escolhido ao acaso, é um ato de previdência do recolhedor para seu próprio benefício futuro -em assistência médica, licença de saúde e aposentadoria- e, no falecimento, para a subsistência de seus dependentes. Nada a ver com imposto. Em sua natureza e finalidade, a previdência pública não difere dos fundos de previdência existentes em empresas privadas, e estes não são imposto.
Mas vá lá. Passemos a outro programa. A grande maioria dos servidores necessita de reajuste dos vencimentos há muito tempo. Nos oito anos de Fernando Henrique, essa gente teve 1% de reajuste, enquanto os de cima, nomeados por camaradagem ou pelo "é dando que se recebe" entre a Presidência e o Congresso, tiveram aumentos bastante bons.
Mas, das duas, uma: ou o rombo das contas públicas exige desconto até de quem usufrui aposentadoria porque já foi longamente descontado para isso, ou as contas públicas permitem aumentos que, deduz-se dos números do ministro contabilista, andariam pelos 35% (o vencimento real de ministro do Supremo é, arredondado, de R$ 17 mil, que precisariam de mais 35% para chegar a "no mínimo R$ 23 mil", como pretende Nelson Jobim).
Afinal, o que vale, quando vale, por que vale, para quem vale e em que circunstâncias deixa de valer?
PS - Será sempre agradável lembrar que os ministros Ellen Gracie Northfleet, Carlos Ayres Britto, Marco Aurélio Mello e Celso Mello votaram contra o desconto das aposentadorias e pensões a título de contribuição previdenciária.


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