São Paulo, quarta-feira, 31 de agosto de 2005

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Para analistas, caixa dois pede cassação

DA REDAÇÃO

Sociólogos e cientistas políticos ouvidos ontem pela Folha concordaram serem "absurdas" as declarações do presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), de que os deputados que provarem terem usado o dinheiro sacado das contas de Marcos Valério para pagar dívidas de campanha não devem ser cassados. Na opinião de Severino, esses parlamentares devem apenas sofrer uma "censura".
"Se for verdade isso que o Severino está falando, vai dar sinal verde para os políticos fazerem qualquer coisa e declararem que isso era caixa dois. Se ele encaminhar esse tipo de coisa, sinceramente eu não sei o que o Congresso vai fazer. É tão absurdo que eu não posso acreditar que venha a acontecer", disse o cientista político do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) Marcus Figueiredo.
Para Figueiredo, com essas declarações, Severino está "oficializando a fraude, oficializando o delito, oficializando o crime do caixa dois". Ele diz que é "evidente" que a punição para o uso do caixa dois deve ser a cassação do mandato do parlamentar.
O sociólogo Francisco Weffort, ex-ministro da Cultura no governo Fernando Henrique Cardoso, tem a mesma opinião. "O caixa dois e o "mensalão" são duas formas de ilegalidade e ruptura do princípio democrático. A punição em princípio tem que ser a mesma. Não vejo como ser diferente."
Weffort, que foi um dos fundadores do PT e chegou a ser secretário-geral antes de deixar o partido, considera que as declarações de Severino são um indício de que está se caminhando para um "acordão" para poupar os deputados envolvidos no escândalo.
"A entrevista do Severino é totalmente extemporânea, ele não deveria estar se manifestando sobre o que gostaria e o que não gostaria que acontecesse. Foi inoportuno e entrou em terreno perigoso. Sugere que está se armando um grande arreglo, um grande acordo." O ex-ministro disse que a entrevista colabora para piorar a imagem que a opinião pública tem de Severino, que, segundo Weffort, já não era da melhores.
A análise de Weffort é secundada pelo cientista político Fernando Abrucio, professor da FGV-SP e da PUC-SP. Para ele, a declaração do presidente é "um indício de uma posição que ganha força no Congresso". "Não se trata de uma operação-abafa. É uma operação bem explícita."
De acordo com Abrucio, a discussão em torno da existência do "mensalão" é "bobagem". "Vai ser difícil comprovar que houve "mensalão'", afirma.
Para ele, no entanto, isso não importa, pois o caixa dois também é crime. "E não é um crime qualquer; é um crime eleitoral, que é a essência da vida política."
Abrucio diz que as opiniões externadas por Severino na entrevista colocam "em suspeição a condução feita pelo Severino do processo". Ele lembra que Severino é "filho" dos acusados. "O Congresso foi o responsável pela eleição de Severino", conclui.

Papagaio
O historiador e professor da UFSCar Marco Antonio Villa enxerga o dedo do Palácio do Planalto nas declarações de Severino. "Evidentemente a afirmativa dele de que não existe "mensalão" e de que o problema era de caixa dois e que merece simplesmente uma advertência por parte da mesa é uma estratégia que não foi criada por ele, mas foi produzida no Palácio do Planalto. E vai ser um fracasso", disse ele, para quem Severino está "reproduzindo tal qual um papagaio do presidente Lula".
A estratégia do Planalto, segundo Villa, tem o objetivo de confundir e de vencer pelo cansaço. "É a estratégia "Chacrinha". Ela foi criada lá no terceiro andar do Palácio do Planalto. A impressão é que, com três CPIs convocando as mesmas pessoas, há uma enorme desorganização. Mas o que há é uma estratégia que gera toda essa confusão, para não apurar".
Para o cientista político da FGV-RJ, Fernando Lattman-Weltman, nem a cassação dos deputados será suficiente. Ele diz que a sensação de pizza pode ficar na população pelo não-indicamento criminal dos deputados que sacaram dinheiro para caixa dois. "A cassação do mandato é um processo político, não prende ninguém."
O professor de direito da USP Floriano de Azevedo Marques diz que "a pressão tem de vir da imprensa, de movimentos da sociedade, na quantidade de fatores que sinalizem para o mundo político o seguinte: se a sua auto preservação for não punindo ninguém, todos vão pagar o preço por quem cometeu condutas irregulares". (RODRIGO RÖTZSCH, MICHELE OLIVEIRA, MARCELO SALINAS E MARCIO PINHEIRO)

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