Campinas, Domingo, 28 de março de 1999

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DIREITOS HUMANOS 3
Irmão de Flávio Molina diz que a tortura política no país continua sendo aplicada em familiares
Família de militante busca justiça desde 71

free-lance para a Folha Campinas

O engenheiro Gilberto Molina, irmão do militante do extinto Molipo (Movimento de Libertação Popular) Flávio Molina, desaparecido desde 1971, disse que reúne documentação para ingressar com medida cautelar na Justiça para a remoção das ossadas.
Ele move, há cerca de dez anos, uma ação judicial que tenta responsabilizar a União por perseguição, assassinato e ocultação do corpo de seu irmão. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista de Molina à Folha.

Folha - Baseado em quê o senhor acha que a ossada de Flávio está no DML da Unicamp?
Gilberto Molina - Não acho, tenho certeza. Há quase 20 anos tive essa confirmação e há dez anos, quando foi aberta oficialmente a vala, tive a concretização.
O caso do meu irmão já foi para a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) para o exame de DNA (código genético), que ficou lá por três anos e foi mandada de volta para a Unicamp. E a Unicamp, em seu relatório final, publica duas identificações prováveis: das ossadas números 240 e 57.
Uma é de Flávio Molina. Eu coloco em dúvida a necessidade dessa comprovação por DNA. Todas as características e o próprio relatório da Unicamp revelam que a documentação para o caso do meu irmão é farta. O relatório da UFMG é específico do caso Flávio Molina.
No documento, eles (pesquisadores da UFMG) declaram que fizeram testes nas amostras. Eles receberam sangue de familiares, de minha mãe, de outro irmão meu, para comparação com o DNA dos ossos. Identificaram o DNA do sangue, mas no exame dos ossos eles acharam para cada amostra um DNA diferente. Que conclusão que o relatório da UFMG tira? Levantam a dúvida de que as amostras não pertenceriam à mesma ossada.
Então eu coloco uma dúvida. Ou a UFMG se atrapalha e não consegue fazer um exame de DNA de forma correta ou a Unicamp, o senhor (Badan) Palhares, se embaralhou e não conseguiu montar um esqueleto com a mesma ossada. Ou seja, usou quatro esqueletos para montar um só, o que é um negócio ridículo.
Folha - Como o senhor e sua família se sentem e o que pensam dessa situação?
Gilberto Molina - A gente começou essa batalha em 80. O administrador do cemitério abriu a vala para mim. Eu também vi a papelada toda que dizia que o Flávio estava numa cova rasa e tinha sido, em 76, se não me engano, exumado e transferido para a vala comum. O administrador do cemitério me disse: "a vala é ali". Eu estava sozinho no cemitério e ele disse: "você quer ver?". Ele foi lá e abriu. E lá estavam os sacos. Foi meu primeiro impacto. Ele perguntava se meu irmão tinha o fêmur grande e dizia: "Esse aqui tinha um fêmur grande".
Só há dez anos surgiram condições técnicas e políticas para termos garantia de que seria feito algum trabalho em cima disso. Esse trabalho vem se arrastando. Durante esse tempo todo, para a família é só expectativa e decepção. A saúde da minha mãe foi prejudica em grande parte por esse desgaste, essas decepções.
Meu pai já morreu. Estamos buscando respostas e isso está consumindo a vida da minha mãe. Hoje eu encaro isso como uma extensão da tortura que consumiu as últimas horas de vida do meu irmão.



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