São Paulo, sexta-feira, 05 de julho de 2002

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BIOLOGIA

Pressão evolutiva causada pelo manejo da atividade pesqueira reduz tamanho dos animais após quatro gerações

Pesca seletiva converte peixes em anões

Divulgação/Science
Após quatro gerações, o tamanho dos peixes caiu drasticamente


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Agora está comprovado: filho de peixe, peixinho é. Uma dupla de pesquisadores do Centro de Pesquisa de Ciências Marinhas da Universidade Estadual de Nova York, EUA, demonstrou que a pesca seletiva dos peixes graúdos acaba estimulando as futuras gerações a se tornarem anãs.
Justo quando todo mundo achava que estava fazendo um favor à natureza ao permitir que pescadores esportivos e comerciais só pegassem os maiores peixes e deixassem os pequenos para lá, a dupla afirma que o preço do manejo pode ser maior que a encomenda. Ou melhor, menor.
"Os atuais regimes de manejo são, ao menos em princípio, baseados em teorias ecológicas razoáveis e devem ser adequados a curto prazo", afirma Stephan Munch, um dos autores do novo estudo. "Mas eles ignoram o potencial para mudança evolutiva."
Darwin explica: quando só os peixes maiores são pescados, ficam na população remanescente os indivíduos menores ou que têm ritmo de crescimento mais lento. Esses sobreviventes passarão adiante seus genes, que codificam menor crescimento, gerando uma porção de descendentes, também pequenos. Enquanto isso, os grandões continuam a ser pescados e se tornam cada vez mais raros. No fim, toda a população da espécie fica menor.

Mudança acelerada
O raciocínio é bem simples, mas ninguém costuma pensar em efeitos de seleção natural e de pressão evolutiva em escalas de tempo humanas. Mas não se pode subestimar a velocidade das mudanças.
"Sabemos que as taxas de crescimento de muitos peixes estão adaptadas às condições ambientais locais", diz Munch. "Queríamos saber o quanto elas poderiam mudar em resposta a mudanças nas condições locais, como as induzidas pela pesca."
A dupla obteve as respostas, após quatro anos de experimentação -um grande salto para um pesquisador, mas um pequeno passo para a natureza. Os resultados, apresentados hoje na revista "Science" (www.sciencemag. org), não poderiam ter sido mais impressionantes.
Lidando com populações da manjuba Menidia menidia, parente da sardinha, em tanques controlados, a dupla decidiu coletar apenas os peixes maiores, simulando os efeitos da pesca. O resultado foi uma redução significativa da taxa de crescimento média dos peixes, após apenas quatro gerações. Em contrapartida, quando eles tiravam só os peixes menores, o resultado era inverso -uma população final com mais indivíduos graúdos.

In natura
Há uma grande diferença, no entanto, entre o que ocorre em um tanque e na natureza. A pressão evolutiva acontece nos dois, mas o ritmo seria diferente. "Sim, na natureza levaria mais tempo para isso acontecer", diz Munch. Mas vale a preocupação. "Muitas espécies comercialmente importantes, como o bacalhau, têm sido pescadas por dezenas ou centenas de anos -um tempo bem grande para que a evolução aconteça."
Se a humanidade não quiser conviver com um mundo em que só há peixes anões, é preciso que repense suas estratégias de manejo de pesca. Os pesquisadores sugerem como possíveis alternativas a imposição de limites máximos para o tamanho de peixes apanhados (como há os mínimos) e a criação de reservas. Mas é difícil prever como o ambiente reagiria a qualquer estratégia humana para controlar a natureza.
"Acho que a maioria das ações humanas tem impactos ambientais", diz Munch. "Por isso, o conhecimento dos impactos prováveis é vital para escolher as estratégias de manejo apropriadas."



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