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Sem tempo ruim
Para garantir sucesso da Olimpíada de Pequim, China literalmente vai fazer parar de chover
MARK WILLIAMS
DA "TECHNOLOGY REVIEW"
Para impedir que chova sobre o estádio
olímpico descoberto
de 91 mil lugares que
os habitantes de Pequim já apelidaram de Ninho
de Pássaro, o Escritório de Modificação das Condições Meteorológicas preparou um programa em três fases para a Olimpíada de agosto.
Primeiro, o escritório vai rastrear as condições do tempo na
região, com a ajuda de satélites,
aviões, radares e um supercomputador IBM p575, comprado no ano passado, que executa 9,8 trilhões de operações de por segundo. O computador
desenha um modelo de uma
área de 44 mil quilômetros
quadrados com precisão suficiente para serem geradas previsões de hora em hora para cada quilômetro quadrado.
Em seguida, usando seus
dois aviões e 20 pontos de artilharia e lançamento de foguetes espalhados por Pequim, os
engenheiros meteorológicos da
cidade vão disparar e pulverizar iodeto de prata e gelo seco
sobre as nuvens que estiverem
vindo na direção do estádio e
que ainda se encontrem a distância suficiente para que a
chuva possa ser descarregada
antes de chegar ao estádio.
Finalmente, quaisquer nuvens de chuva que estiverem
perto do Ninho de Pássaro serão pulverizadas com substâncias químicas para encolher as
gotículas, de modo que a chuva
só caia depois de as nuvens terem ultrapassado o estádio.
Zhang Qian, diretor do escritório, explica: "Usamos um
produto refrigerante feito de
nitrogênio líquido para aumentar o número de gotículas
e, ao mesmo tempo, reduzir o
tamanho médio delas. Com isso, as gotículas menores têm
menos probabilidade de cair."
O mês de agosto faz parte da
temporada de chuvas no nordeste asiático, de modo que as
chances de chover em Pequim
serão superiores a 50% em
qualquer dia desse mês. Apesar
disso, Qian afirma que "com
chuva leve, os resultados têm
sido satisfatórios".
Escala chinesa
Modificar as condições do
tempo pode parecer excesso de
soberba humana. Mas, em vista
de todo o resto que os chineses
já investiram para fazer dos Jogos Olímpicos deste ano uma
vitrine da emergência da China
como superpotência do século
21, mudar o tempo é o mínimo
que eles poderiam fazer.
Hoje, ao lado do imenso Ninho do Pássaro, Pequim pode
gabar-se de megaestruturas como um novo terminal de aeroporto que, sozinho, é maior que
qualquer aeroporto em qualquer lugar do mundo.
Uma medida das transformações operadas na cidade é o
fato de hoje se elevarem cerca
de 300 novos arranha-céus onde há apenas alguns anos existiam apenas "siheyuans" (as casas tradicionais chinesas). Estima-se que, até o início da Olimpíada, 1,5 milhão pequineses
tenham sido despejados de
suas casas por decreto.
Logo, não surpreende que o
programa chinês de engenharia
do tempo seja também o maior
do mundo, contando com cerca
de 1.500 profissionais, 30 aeronaves e seus tripulantes, além
de 37 mil funcionários em tempo parcial que ficam a postos
para, quando necessário, disparar 7.113 canhões antiaéreos e
4.991 lança-foguetes contra nuvens.
A China começou a trabalhar
com a engenharia do tempo já
em 1958, para irrigar sua árida
região norte. Hoje o país reserva entre US$ 60 milhões e US$
90 milhões de seu orçamento
anual para o Escritório Nacional de Modificação das Condições Meteorológicas.
A agência de notícias estatal
Xinhua afirma que, entre 1999
e 2007, o escritório livrou 470
mil quilômetros quadrados de
granizo e gerou mais de 250 bilhões de toneladas de chuva
-quantidade suficiente para
encher quatro vezes o rio Amarelo, o segundo maior da China.
Ademais, enquanto os engenheiros meteorológicos de
Qian, em Pequim, vêm testando sua capacidade de ação há
dois anos, os chineses dizem
que esforços semelhantes feitos nos últimos cinco anos já
ajudaram a garantir tempo
bom em eventos como a Exposição Mundial em Yunnan e os
Jogos Asiáticos em Xangai.
Embora possuam o maior
programa mundial de modificação das condições do tempo,
os chineses consideram a Rússia o país mais avançado nesse
quesito. Em 1986 cientistas
russos pulverizaram nuvens
para impedir que chuva radioativa de Tchernobil chegasse a
Moscou, e em 2000 eles afastaram nuvens antes de uma cerimônia em memória do fim da
2ª Guerra Mundial. O então
presidente da China, Jiang Zemin, defendeu a adoção da
abordagem em seu país.
Quanto ao crédito histórico
pelo lançamento da idéia da engenharia do tempo, em 1946,
ela pertence a funcionários da
General Electric -especialmente o cientista Bernard Vonnegut, que descobriu o potencial do iodeto de prata de formar cristais em torno dos quais
se condensaria a umidade das
nuvens. O Exército americano
tentou usar a modificação das
condições do tempo como arma no projeto Popeye, durante
a Guerra do Vietnã.
Entretanto, como o tempo é
um sistema complexo, não havia como comprovar que a modificação funcionava. As verbas
para as pesquisas nos EUA secaram. Um relatório de 2003 da
Academia Nacional de Ciências
concluiu que "ainda não existem provas científicas convincentes da eficácia dos esforços
de modificação intencional das
condições do tempo".
Mesmo assim, segundo o meteorologista William Cotton, da
Universidade do Estado do Colorado, "no que diz respeito à
ciência da modificação das condições meteorológicas, as evidências de que ela funciona em
determinadas situações são altamente convincentes".
A China não tem dúvida.
Tradução de Clara Allain
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