São Paulo, domingo, 06 de abril de 2008

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Sem tempo ruim

Para garantir sucesso da Olimpíada de Pequim, China literalmente vai fazer parar de chover

MARK WILLIAMS
DA "TECHNOLOGY REVIEW"

Para impedir que chova sobre o estádio olímpico descoberto de 91 mil lugares que os habitantes de Pequim já apelidaram de Ninho de Pássaro, o Escritório de Modificação das Condições Meteorológicas preparou um programa em três fases para a Olimpíada de agosto.
Primeiro, o escritório vai rastrear as condições do tempo na região, com a ajuda de satélites, aviões, radares e um supercomputador IBM p575, comprado no ano passado, que executa 9,8 trilhões de operações de por segundo. O computador desenha um modelo de uma área de 44 mil quilômetros quadrados com precisão suficiente para serem geradas previsões de hora em hora para cada quilômetro quadrado.
Em seguida, usando seus dois aviões e 20 pontos de artilharia e lançamento de foguetes espalhados por Pequim, os engenheiros meteorológicos da cidade vão disparar e pulverizar iodeto de prata e gelo seco sobre as nuvens que estiverem vindo na direção do estádio e que ainda se encontrem a distância suficiente para que a chuva possa ser descarregada antes de chegar ao estádio.
Finalmente, quaisquer nuvens de chuva que estiverem perto do Ninho de Pássaro serão pulverizadas com substâncias químicas para encolher as gotículas, de modo que a chuva só caia depois de as nuvens terem ultrapassado o estádio.
Zhang Qian, diretor do escritório, explica: "Usamos um produto refrigerante feito de nitrogênio líquido para aumentar o número de gotículas e, ao mesmo tempo, reduzir o tamanho médio delas. Com isso, as gotículas menores têm menos probabilidade de cair."
O mês de agosto faz parte da temporada de chuvas no nordeste asiático, de modo que as chances de chover em Pequim serão superiores a 50% em qualquer dia desse mês. Apesar disso, Qian afirma que "com chuva leve, os resultados têm sido satisfatórios".

Escala chinesa
Modificar as condições do tempo pode parecer excesso de soberba humana. Mas, em vista de todo o resto que os chineses já investiram para fazer dos Jogos Olímpicos deste ano uma vitrine da emergência da China como superpotência do século 21, mudar o tempo é o mínimo que eles poderiam fazer.
Hoje, ao lado do imenso Ninho do Pássaro, Pequim pode gabar-se de megaestruturas como um novo terminal de aeroporto que, sozinho, é maior que qualquer aeroporto em qualquer lugar do mundo. Uma medida das transformações operadas na cidade é o fato de hoje se elevarem cerca de 300 novos arranha-céus onde há apenas alguns anos existiam apenas "siheyuans" (as casas tradicionais chinesas). Estima-se que, até o início da Olimpíada, 1,5 milhão pequineses tenham sido despejados de suas casas por decreto.
Logo, não surpreende que o programa chinês de engenharia do tempo seja também o maior do mundo, contando com cerca de 1.500 profissionais, 30 aeronaves e seus tripulantes, além de 37 mil funcionários em tempo parcial que ficam a postos para, quando necessário, disparar 7.113 canhões antiaéreos e 4.991 lança-foguetes contra nuvens.
A China começou a trabalhar com a engenharia do tempo já em 1958, para irrigar sua árida região norte. Hoje o país reserva entre US$ 60 milhões e US$ 90 milhões de seu orçamento anual para o Escritório Nacional de Modificação das Condições Meteorológicas.
A agência de notícias estatal Xinhua afirma que, entre 1999 e 2007, o escritório livrou 470 mil quilômetros quadrados de granizo e gerou mais de 250 bilhões de toneladas de chuva -quantidade suficiente para encher quatro vezes o rio Amarelo, o segundo maior da China.
Ademais, enquanto os engenheiros meteorológicos de Qian, em Pequim, vêm testando sua capacidade de ação há dois anos, os chineses dizem que esforços semelhantes feitos nos últimos cinco anos já ajudaram a garantir tempo bom em eventos como a Exposição Mundial em Yunnan e os Jogos Asiáticos em Xangai.
Embora possuam o maior programa mundial de modificação das condições do tempo, os chineses consideram a Rússia o país mais avançado nesse quesito. Em 1986 cientistas russos pulverizaram nuvens para impedir que chuva radioativa de Tchernobil chegasse a Moscou, e em 2000 eles afastaram nuvens antes de uma cerimônia em memória do fim da 2ª Guerra Mundial. O então presidente da China, Jiang Zemin, defendeu a adoção da abordagem em seu país.
Quanto ao crédito histórico pelo lançamento da idéia da engenharia do tempo, em 1946, ela pertence a funcionários da General Electric -especialmente o cientista Bernard Vonnegut, que descobriu o potencial do iodeto de prata de formar cristais em torno dos quais se condensaria a umidade das nuvens. O Exército americano tentou usar a modificação das condições do tempo como arma no projeto Popeye, durante a Guerra do Vietnã.
Entretanto, como o tempo é um sistema complexo, não havia como comprovar que a modificação funcionava. As verbas para as pesquisas nos EUA secaram. Um relatório de 2003 da Academia Nacional de Ciências concluiu que "ainda não existem provas científicas convincentes da eficácia dos esforços de modificação intencional das condições do tempo".
Mesmo assim, segundo o meteorologista William Cotton, da Universidade do Estado do Colorado, "no que diz respeito à ciência da modificação das condições meteorológicas, as evidências de que ela funciona em determinadas situações são altamente convincentes".
A China não tem dúvida.


Tradução de Clara Allain


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