São Paulo, domingo, 06 de abril de 2008

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+ Marcelo Gleiser

Máquinas maravilhosas


São essas as nossas pirâmides e catedrais, monumentos à nossa curiosidade

Imagino que em todas as eras as pessoas se maravilhem com as invenções de seus cientistas e engenheiros. Penso na sensação que Arquimedes causou na Grécia antiga, ao conseguir repelir o exército romano com suas catapultas enquanto, segundo a lenda, suas lentes mirabolantes queimavam os navios invasores. Ou como Galileu enfeitiçou o Senado de Veneza com seu telescópio e Anton von Leeuwenhoek revelou mundos invisíveis com seu microscópio.
Nossa era não é diferente. Penso imediatamente em três máquinas, ou melhor, instrumentos, que juntos vêm ampliando nosso conhecimento do mundo em três fronteiras: o muito grande, o muito pequeno e o biológico.
No muito grande, o leitor deve já ter adivinhado, é impossível não mencionar o Telescópio Espacial Hubble, considerado por alguns o instrumento científico mais importante de todos os tempos. Não sei se concordo com a adjetivação exagerada, mas não há dúvida de que as imagens que o Hubble nos trouxe do espaço ajudaram em muito a transformar nossa concepção do cosmo. Planetas extra-solares e berçários de estrelas, detalhes de mundos distantes, como as luas de Júpiter e Saturno, a espetacular colisão entre o cometa Shoemaker-Levy 9 e Júpiter, galáxias das mais variadas formas, a expansão do Universo medida com grande precisão, supernovas explodindo, enfim, um cosmo dinâmico, de uma beleza inigualável, que nos remete às nossas origens.
Na esfera da biologia, o Projeto Genoma, que revelou o genoma humano e o de muitas outras espécies, só foi possível devido ao desenvolvimento de máquinas de seqüenciamento automático de DNA, que combinam química e lasers para acelerar a leitura das séries das quatro bases químicas A, G, C e T (adenina, guanina, citosina e timina) que compõem os genes.
No caso dos humanos, são 30 mil genes, cerca de 3 bilhões de pares de bases, cuja leitura e ordenação seriam impossíveis manualmente.
Dessa informação, será possível identificar o componente genético de várias doenças, possibilitando novos tipos de tratamento e o estudo de como pessoas com certos genes reagirão a remédios diferentes -o mesmo medicamento pode não surtir efeito semelhante em pessoas com diferenças genéticas específicas.
É importante lembrar que a predisposição genética não age sozinha, já que fatores exógenos também contribuem para o surgimento de muitas doenças. No entanto, saber que existe uma predisposição genética pode ser extremamente útil na prevenção de vários males.
Eu mesmo fui testado outro dia para câncer no pâncreas, o mal que causou a morte de meu pai. (Felizmente, por enquanto tudo bem!)
Outro uso é na comparação do genoma entre espécies diferentes. Por exemplo, diferimos em cerca de 1% dos chimpanzés, com foco nas áreas reprodutiva e imunológica.
Finalmente, a maravilhosa máquina do muito pequeno: o Grande Colisor de Hádrons (LHC, do inglês Large Hadron Collider) -a maior máquina já construída, um túnel subterrâneo de 27 km de circunferência acoplado a detectores do tamanho de prédios de cinco andares e a mais de 30 mil computadores. O LHC deve entrar em funcionamento no final deste ano, ajudando os físicos a responderem a uma das questões mais fundamentais da ciência: a origem da massa.
De quebra, essa máquina poderá nos dar pistas sobre a existência de dimensões extra do espaço e mesmo produzir miniburacos negros. São essas as nossas pirâmides e catedrais, monumentos à nossa curiosidade e à incrível inventividade humana.


MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"

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