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São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2003

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Ressonância magnética ganha Nobel 30 anos depois

Lloyd Sturdy/France Presse
Mansfield em seu laboratório de Nottingham, no Reino Unido


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Três décadas depois de terem descoberto como usar magnetismo e ondas de rádio para investigar o que acontece no interior dos seres vivos, o químico norte-americano Paul Lauterbur,74, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, e o físico britânico sir Peter Mansfield, 69, da Universidade de Nottingham, foram contemplados com o Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina.
A técnica que a dupla ajudou a desenvolver, hoje conhecida como MRI (produção de imagens por ressonância magnética), tornou-se uma das formas mais seguras e precisas de diagnóstico para as mais diversas doenças. Há 22 mil aparelhos no mundo, que realizam cerca de 60 milhões de exames por ano.
Além dessa aplicação clínica, o sistema também está ajudando a entender como as diferentes áreas do cérebro funcionam, lançando novas luzes sobre os pensamentos e as emoções humanos. "A revolução foi profunda. É o mesmo impacto que teve a descoberta dos raios X", diz o médico Heverton César de Oliveira, 52, do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
A dupla dividirá igualmente o prêmio de 10 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 3,7 milhões) oferecido pelo Instituto Karolinska, em Estocolmo.
É o quarto Nobel que a área de pesquisa de Lauterbur e Mansfield vence: diferentes princípios e aplicações da ressonância magnética também levaram o prêmio de física de 1952 (com os americanos Felix Bloch e Edward Mills Purcell) e os de química em 1991 (com o suíço Richard Ernst) e 2002 (com seu compatriota Kurt Wüthrich). No entanto, todos esses trabalhos se caracterizavam pelo enfoque no mundo dos átomos e das moléculas, diferentemente dos premiados deste ano.

Eixo de rotação
A ressonância magnética toma partido do eixo de rotação que existe em todos os átomos, em especial os de hidrogênio (presentes em pares nas moléculas de água, a substância mais comum nos seres vivos). Com a ajuda de um campo magnético, é possível deixar esse eixo alinhado em todos os átomos de hidrogênio -normalmente, eles giram em posições ao acaso (veja quadro à direita).
Depois desse alinhamento, os átomos recebem um pulso de ondas de rádio que faz o eixo de rotação oscilar e depois voltar à posição anterior. Nesse vaivém, eles liberam suas próprias ondas de rádio. Isso traz uma série de informações sobre o funcionamento de um determinado órgão ou sua anatomia, já que a quantidade de água varia de um tecido para outro, por exemplo.
"Essa foi a grande sacada deles, quase um ovo de Colombo: usar o método para conseguir imagens dos tecidos e dos órgãos", avalia o médico Jerson Lima Silva, 43, do CNRMN (Centro Nacional de Ressonância Magnética Nuclear), da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Silva conheceu Lauterbur quando trabalhou na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, onde o laureado está até hoje. "Desde então [1992 e 1993] ele já era cotado", diz o pesquisador, para quem o reconhecimento do trabalho demorou a chegar. "Parece que há um certo ressentimento em relação às descobertas que já têm uma aplicação médica grande, como é o caso dessa."
O trabalho de Mansfield e Lauterbur consistiu em criar modelos teóricos e aparelhos capazes de traduzir a resposta dos átomos em imagens -bidimensionais e, depois, tridimensionais.
Lauterbur, em 1973, conseguiu diferenciar água normal de água pesada (que tem átomos de oxigênio e deutério, um tipo de hidrogênio com um nêutron no seu núcleo, além do próton comum ao hidrogênio normal). Já Mansfield testou a técnica em si mesmo, sem saber se era segura.
Hoje se sabe que não há motivo para preocupação. "Uma das coisas importantes da técnica é que ela não é invasiva", diz a farmacêutica Ana Paula Valente, 37, também do CNRMN.
Ambos os vencedores se disseram surpresos com o prêmio. "Se alguém dissesse "você ganhou o Nobel", acho que a reação da maioria da população seria: "Ah, vá encher outro" ", afirmou Mansfield. "Você pode ouvir especulações ao longo dos anos, mas o fato em si é sempre uma surpresa", disse Lauterbur.
(REINALDO JOSÉ LOPES)

Com agências internacionais


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