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Biologia do sarcasmo
Cientista usa cenas cômicas para estudar o impacto das demências na capacidade de entender ironia
DAN HURLEY
DO "NEW YORK TIMES"
Não havia nada de
interessante sobre
o estudo de Katherine Rankin sobre
o sarcasmo -pelo
menos nada que faça valer à pena você perder seu tempo. Tudo o que ela fez foi usar imagem por ressonância magnética para achar o local do cérebro
que detecta o sarcasmo.
Até aí, você provavelmente já
sabia que é o giro paraipocampal direito.
O que talvez você não saiba é
que para entender o sarcasmo
-os comentários maliciosos
que têm o sentido oposto do
que se quer dizer- é preciso
um truque mental sutil que reside no núcleo das relações sociais: antecipar o que os outros
estão pensando. Aqueles que
perdem essa habilidade, seja
por meio de uma lesão cerebral
ou por meio de demências que
afligem os pacientes no estudo
de Rankin, simplesmente não
entendem quando durante um
furacão alguém exclama "Puxa,
que tempo maravilhoso!".
"Muito da cognição social
para a qual não damos valor e
aprendemos durante a infância, a habilidade de perceber
que alguém está sendo irônico
ou sarcástico ou raivoso -a
chamada teoria da mente que
nos permite entrar na mente
de outra pessoa- em geral é
perdida rapidamente durante
demências dos lobos frontais e
temporais [do córtex cerebral]", afirma Bradley Boeve,
neurologista comportamental
da Clínica Mayo, de Rochester,
no Minnesota (EUA).
"É muito perturbador para
membros da família, mas neurologistas não têm tido boas
ferramentas para medir isso. É
por isso que eu acho esse estudo do grupo de Kate Rankin tão
fascinante", disse.
Piada explicada
Ranking, professora do Centro de Memória e Envelhecimento da Universidade da Califórnia em San Francisco, usou
um teste inovador desenvolvido em 2002, o Tasit (Teste de
Atenção sobre Inferência Social, na sigla em inglês). Ele incorpora exemplos filmados de
diálogos em que as palavras de
uma pessoa parecem bastante
diretas quando lidas no papel,
mas são proferidas em estilo
sarcástico ridiculamente óbvio.
Parecem tiradas de um seriado
de comédia televisiva.
"Eu estava testando a habilidade das pessoas para detectar
sarcasmo baseada inteiramente em pistas "paralingüísticas", a
maneira das pessoas se expressarem", diz Rankin.
Em um dos vídeos, um homem entra na sala de uma colega chamada Ruth para dizer a
ela que não poderia cumprir
sua promessa de assistir à aula
que ela daria. "Não se incomode, não se sinta mal por causa
disso", ela responde, entoando
os agudos e graves que se costuma usar para falar com bebês.
"Eu sei que você está muito atarefado -não seria justo eu esperar que você arranjasse um
tempinho", acrescenta, com
expressão de desprezo.
Fora de lugar
Apesar de as pessoas com
mal de Alzheimer moderado
perceberem o sarcasmo tão
bem quanto qualquer um, essa
habilidade se esvai em pessoas
com demência semântica, uma
doença cerebral progressiva
que faz as pessoas esquecerem
as palavras e seus significados.
"Deveríamos esperar que,
porque elas perderam a linguagem, elas prestariam mais
atenção aos elementos paralingüísticos de comunicação", diz
Rankin. Para sua surpresa, porém, as imagens de ressonância
magnética revelaram que a parte do cérebro perdida entre
aqueles que falharam em perceber sarcasmo não estava no
hemisfério esquerdo do cérebro, que se especializa em linguagem e em interações sociais, mas em uma parte do hemisfério direito que havia sido
identificada anteriormente como importante apenas para detectar alterações no contexto
de fundo em testes visuais.
"O giro paraipocampal direito deve estar envolvido em detectar mais do que contexto visual -ele percebe contexto social também", diz Rankin.
A descoberta se encaixa em
uma visão sutil crescente sobre
o papel do hemisfério direito,
afirma Anjan Chatterjee, professor de ciências cognitivas da
Universidade da Pensilvânia.
"O hemisfério esquerdo é o
da linguagem no sentido estrito, compreensão de palavras
individuais e sentenças", diz
Chatterjee. "Mas agora se acredita que a apreciação de humor
e linguagem não literais, pregar
peças e fazer piadas, requer o
hemisfério direito."
Boeve afirma que o estudo
oferece esperança de que um
teste como o Tasit possa ajudar
no diagnóstico de demência
frontotemporal. "Essas pessoas
têm desempenho totalmente
normal em testes neuropsicológicos tradicionais no início da
progressão da doença", afirma.
"A família vai dizer que a pessoa mudou drasticamente mas,
mesmo neurologistas, com freqüência, vão dar de ombros e
dizer que é crise da meia-idade." Na impossibilidade de usar
um teste, ele afirma, a melhor
maneira de diagnosticar os problemas é conversar com membros da família sobre como a
pessoa mudou com o tempo.
Variação natural
Após apresentar suas descobertas no encontro da Academia Americana de Neurologia,
em abril, Rankin foi questionada sobre se mesmo aqueles com
cérebros saudáveis podem ter
variações nas áreas cerebrais
que expliquem quão bem eles
captam sarcasmo.
"Todos nós temos nossos fracos e fortes em habilidades cognitivas, incluindo nossa habilidade para detectar pistas sociais", respondeu.
Seria possível, então, que o
apresentador de TV Jon Stewart, que usa sarcasmo a torto
e a direito no "The Daily Show",
tenha um giro paraipocampal
desproporcionalmente grande? "Provavelmente ele é normal", diz Rankin. "O giro paraipocampal está envolvido em
entender o sarcasmo, não em
ser sarcástico."
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