São Paulo, quarta-feira, 09 de outubro de 2002

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FÍSICA

Dois americanos e um japonês dividem US$ 1 milhão por construção de detectores de neutrinos e telescópios de raios X

Prêmio Nobel vai para partícula-fantasma

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Experimentos que mediram o bombardeio de partículas fantasmagóricas sobre a Terra e colocaram telescópios no espaço para espionar buracos negros deram a seus criadores o Prêmio Nobel de Física. Dois astrofísicos dos EUA e um japonês dividirão o prêmio de 10 milhões de coroas (equivalente a US$ 1 milhão) dado pela Real Academia Sueca de Ciências.
O americano Raymond Davis Jr., 87, da Universidade da Pensilvânia, vai dividir a sua metade do prêmio com o japonês Masatoshi Koshiba, 76, da Universidade de Tóquio. Os dois foram pioneiros na captura de neutrinos (partículas fundamentais da matéria sem carga elétrica) vindos do Sol e da explosão de supernovas.
Por sua vez, o italiano naturalizado americano Riccardo Giacconi, 71, pesquisador da Associated Universities, Inc., ganhou o prêmio por aperfeiçoar e colocar em órbita da Terra os telescópios que conseguem observar os raios X, ajudando a comprovar a existência dos buracos negros -grandes emissores desse tipo de radiação.
"É um momento fantástico e emocionante para nós", disse à Folha Kenneth Lande, colaborador de Raymond Davis na Universidade da Pensilvânia. "Esses trabalhos estão abrindo uma janela nova no Universo", afirmou o pesquisador, que trabalha com o vencedor do Nobel desde 1972. Davis tem mal de Alzheimer em fase avançada.
Os experimentos de Davis capturando neutrinos num tanque a mais de 1.500 m de profundidade provaram que o Sol produz energia por meio da fusão nuclear, criando essas partículas como subprodutos. Além disso, ele mostrou que a quantidade de neutrinos a alcançar a Terra era menor do que o previsto.
Koshiba comprovou que algo realmente estava errado nessa conta e também participou da explicação do problema. É que os experimentos dos dois só detectavam um tipo de neutrino, que está associado aos elétrons. Koshiba detectou a chamada oscilação -ou seja, neutrinos do tipo elétron se transformando em neutrinos associados aos múons ou aos taus -partículas "irmãs" dos elétrons, mas de massa maior.
Até essa descoberta, assumia-se que os neutrinos não tinham massa e viajavam à velocidade da luz pelo Universo, afirma Amâncio Friaça, do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP). "Acreditava-se que todos os tipos de neutrino eram iguais. Mas a oscilação mostra que eles provavelmente viajam a velocidades diferentes e têm massa", afirma o astrofísico.
Por serem absurdamente abundantes no Universo, mesmo uma massa minúscula daria um papel importante aos neutrinos na própria formação das galáxias, afirma Adriano Natale, do Instituto de Física Teórica da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
Isso influiria também na visão que os cientistas têm do futuro do Universo: afinal, dependendo da quantidade relativa de massa presente nele, ele pode se expandir indefinidamente (se ela for pouca) ou sofrer uma implosão (se ela for muita). "Mas ainda não dá para saber se os neutrinos vão ajudar a "fechar a conta" do Universo", diz Natale.

Imagens galácticas
O trabalho de Giacconi, que nasceu em Gênova mas veio trabalhar nos Estados Unidos em 1959, parece um pouco menos mirabolante. Ele desenvolveu quase toda a tecnologia usada hoje para "enxergar" os raios X -uma das radiações mais emitidas pelos corpos celestes muito energéticos no Universo.
Usando espelhos côncavos que eram capazes de coletar esse tipo de radiação e lançando foguetes que os carregavam, Giacconi conseguiu as primeiras boas visões do espaço a partir dos raios X -revelando objetos que emitem muita radiação desse tipo, como as estrelas de nêutrons e os buracos negros, cujo nome já diz tudo: não emitem luz visível.
As observações de Giacconi ajudaram a provar a existência dos buracos negros, flagrando alguns espécimes particularmente maciços no centro das galáxias. A última criação do físico, o telescópio Chandra, produz imagens em órbita tão boas quanto as do Hubble, que captura luz visível.
De quebra, diz Amâncio Friaça, o trabalho de Giacconi mostrou que existem enormes quantidades de gás no espaço entre as galáxias -que correspondem, por sinal, à maior parte da matéria conhecida a compor o Universo.



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