|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Periscópio
Nova hipótese para a ação do HIV
José Reis
especial para a Folha
A
relação do HIV com a Aids é aceita
pela maioria dos pesquisadores,
embora pouco se saiba sobre a maneira
como ele atua. A primeira e ainda muito
difundida hipótese a esse respeito admite que o HIV simplesmente ataca e destrói os chamados linfócitos ou células T
auxiliares ("helpers"), que desempenham papel fundamental no sistema
imunológico. Com a morte desses elementos, diminui muito a resistência do
organismo, que fica então suscetível a todo tipo de infecções secundárias.
Tal explicação parece simplista a vários
investigadores, que afirmam ser pequeno demais o número de células infectadas para a produção de tão graves resultados. Segundo cálculos feitos, a proporção de linfócitos infectados é de 1 para
500, no máximo. Além disso, o rápido
declínio de células T, que caracteriza a
Aids, só aparece relativamente tarde no
decurso da doença, embora antes disso
haja sinais de defeito no sistema imune.
Esses e outros motivos originaram diversas hipóteses sobre o mecanismo da
infecção, concluindo certos cientistas
que intervém no caso um complexo de
causas. Agravando esse quadro, Peter
Duesberg tentou provar que o HIV é inócuo e não causa a Aids. Esse ponto de vista extremo tem sido em geral descartado.
Hipótese nova, feita por Stella Knight,
Steve Patterson e colaboradores, atribui
o início do processo às células dendríticas e não à infecção direta das células T.
As células dendríticas atuam como
sentinelas do organismo, capturando as
substâncias estranhas que nele penetram
e apresentando-as às células T, que, assim ativadas, entram a produzir e mobilizar os elementos de defesa (linfócitos de
vários tipos, que atacam diretamente o
inimigo ou produzem anticorpos).
Alguns desses linfócitos agem como
células de "memória" e circulam muito
tempo no corpo, desencadeando imediata reação quando o organismo volta a
ser agredido pela mesma substância.
As células dendríticas são às vezes confundidas com macrófagos, que abocanham resíduos e substâncias estranhas,
inclusive micróbios. Há, porém, diferenças essenciais entre os dois tipos celulares. As dendríticas não ingerem antígenos (substâncias estranhas), mas os carregam na superfície, que parece uma teia
ou véu. Tal distinção não é fácil de perceber. As células dendríticas, como as T e
os macrófagos, são suscetíveis ao HIV.
Na infecção pelo vírus, as primeiras células atacadas seriam apenas as dendríticas. Do defeito destas decorreria contaminação das T. Isso no primeiro ataque
do vírus ou outro micróbio, porque em
ataques subsequentes as reações secundárias seriam chefiadas também pelas
células de memória e pelos macrófagos.
A hipótese dendrítica permaneceu esquecida por muito tempo, mas recentemente ressurgiu com alarde na imprensa
dos EUA, quando um pesquisador americano, William Naseltine, confirmou o
cultivo de dendríticas em laboratório e
declarou que podem ser importantes reservatórios de infecção pelo HIV, uma
vez que ocorrem em todo o corpo e existem em grande número no trato genital.
A verdade é que o grupo britânico já
havia feito esse tipo de cultura há mais de
cinco anos, demonstrando a possibilidade de infectar as células dendríticas de
cultura com o HIV. Há todavia cientistas
que não aceitam o papel preponderante
das células dendríticas. Um deles é o próprio descobridor dessas células, Ralph
Steinman, que nega a possibilidade de
infectá-las. Outros alegam que só pequena porção dessas células se infecta, embora essa proporção seja de cem a mil vezes superior ao nível de infecção das células T. Knight e Patterson realizaram algumas experiências que indicam claramente que o HIV impede as dendríticas
de estimularem reações primárias e secundárias a antígenos, o que é fundamental no desenvolvimento da Aids.
Texto Anterior: Elogio da razão pura Próximo Texto: Astronáutica: Trajes históricos estão se decompondo Índice
|