São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2000

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Periscópio

Nova hipótese para a ação do HIV

José Reis
especial para a Folha

A relação do HIV com a Aids é aceita pela maioria dos pesquisadores, embora pouco se saiba sobre a maneira como ele atua. A primeira e ainda muito difundida hipótese a esse respeito admite que o HIV simplesmente ataca e destrói os chamados linfócitos ou células T auxiliares ("helpers"), que desempenham papel fundamental no sistema imunológico. Com a morte desses elementos, diminui muito a resistência do organismo, que fica então suscetível a todo tipo de infecções secundárias.
Tal explicação parece simplista a vários investigadores, que afirmam ser pequeno demais o número de células infectadas para a produção de tão graves resultados. Segundo cálculos feitos, a proporção de linfócitos infectados é de 1 para 500, no máximo. Além disso, o rápido declínio de células T, que caracteriza a Aids, só aparece relativamente tarde no decurso da doença, embora antes disso haja sinais de defeito no sistema imune.
Esses e outros motivos originaram diversas hipóteses sobre o mecanismo da infecção, concluindo certos cientistas que intervém no caso um complexo de causas. Agravando esse quadro, Peter Duesberg tentou provar que o HIV é inócuo e não causa a Aids. Esse ponto de vista extremo tem sido em geral descartado.
Hipótese nova, feita por Stella Knight, Steve Patterson e colaboradores, atribui o início do processo às células dendríticas e não à infecção direta das células T.
As células dendríticas atuam como sentinelas do organismo, capturando as substâncias estranhas que nele penetram e apresentando-as às células T, que, assim ativadas, entram a produzir e mobilizar os elementos de defesa (linfócitos de vários tipos, que atacam diretamente o inimigo ou produzem anticorpos).
Alguns desses linfócitos agem como células de "memória" e circulam muito tempo no corpo, desencadeando imediata reação quando o organismo volta a ser agredido pela mesma substância.
As células dendríticas são às vezes confundidas com macrófagos, que abocanham resíduos e substâncias estranhas, inclusive micróbios. Há, porém, diferenças essenciais entre os dois tipos celulares. As dendríticas não ingerem antígenos (substâncias estranhas), mas os carregam na superfície, que parece uma teia ou véu. Tal distinção não é fácil de perceber. As células dendríticas, como as T e os macrófagos, são suscetíveis ao HIV.
Na infecção pelo vírus, as primeiras células atacadas seriam apenas as dendríticas. Do defeito destas decorreria contaminação das T. Isso no primeiro ataque do vírus ou outro micróbio, porque em ataques subsequentes as reações secundárias seriam chefiadas também pelas células de memória e pelos macrófagos.
A hipótese dendrítica permaneceu esquecida por muito tempo, mas recentemente ressurgiu com alarde na imprensa dos EUA, quando um pesquisador americano, William Naseltine, confirmou o cultivo de dendríticas em laboratório e declarou que podem ser importantes reservatórios de infecção pelo HIV, uma vez que ocorrem em todo o corpo e existem em grande número no trato genital.
A verdade é que o grupo britânico já havia feito esse tipo de cultura há mais de cinco anos, demonstrando a possibilidade de infectar as células dendríticas de cultura com o HIV. Há todavia cientistas que não aceitam o papel preponderante das células dendríticas. Um deles é o próprio descobridor dessas células, Ralph Steinman, que nega a possibilidade de infectá-las. Outros alegam que só pequena porção dessas células se infecta, embora essa proporção seja de cem a mil vezes superior ao nível de infecção das células T. Knight e Patterson realizaram algumas experiências que indicam claramente que o HIV impede as dendríticas de estimularem reações primárias e secundárias a antígenos, o que é fundamental no desenvolvimento da Aids.


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