São Paulo, Domingo, 11 de Abril de 1999
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FUTURO
Modificação genética faz vírus da Aids atuar em método para tratar doenças sanguíneas, como hemofilia e anemia
Cura pela infecção

MARCELO FERRONI
da Reportagem Local

Centros de pesquisa de vários países procuram desenvolver drogas e processos eficazes para combater o vírus HIV, da Aids. Mas os cientistas nunca haviam usado esse microrganismo para combater doenças.
E é isso o que está sendo feito por cientistas dos EUA: usar o HIV enfraquecido para tratar doenças sanguíneas, como a hemofilia (falta da capacidade de coagulação do sangue) e a anemia (baixa concentração de hemácias, ou glóbulos vermelhos, no sangue).
Em seu estudo, realizado em ratos, os pesquisadores procuraram demonstrar que o vírus HIV, modificado geneticamente, pode servir de veículo para transportar genes a células no sistema sanguíneo humano.
O HIV "infectaria" determinadas células sanguíneas e assim poderia transferir os novos trechos de material genético. Essas células seriam alteradas, ou seja, possíveis defeitos causadores de doenças seriam corrigidos.
O experimento, no entanto, apenas indicou uma parte do processo -que o HIV pode passar genes a células embrionárias CD34, presentes no sistema sanguíneo humano (veja quadro ao lado).
"Esse estudo é importante na busca por meios de enviar genes a células humanas. É promissor, mas ainda precisa de mais discussões", disse Inder M. Verma, do Instituto Salk para Estudos Biológicos, em La Jolla, na Califórnia, em entrevista por e-mail à Folha.
Verma e Hiroyuki Miyoshi, do Instituto Salk, realizaram o estudo ao lado de Bruce E. Torbett, Kent A. Smith e Donald D. Mosier, do Instituto de Pesquisa Scripps, também em La Jolla. Os resultados foram publicados em 29 de janeiro na revista "Science".
As células CD34, o alvo do HIV modificado, são hematopoéticas, ou seja, formam novas células sanguíneas no organismo.

Motivos para o uso do HIV
Os pesquisadores indicam, em seu artigo, que as células hematopoéticas embrionárias são um alvo interessante para receber genes de vírus porque têm a habilidade de regenerar todo o sistema de produção de células sanguíneas no organismo humano.
O processo de transferência genética por meio de vírus é chamado terapia genética. Nos testes, em vez do HIV, normalmente são usados os chamados retrovírus.
"Retrovírus convencionais necessitam de divisões celulares para que os genes sejam inseridos nas células. Em contraste, o HIV não precisa disso", disse Torbett, do instituto Scripps, ao explicar porque o HIV foi escolhido.
"Uma característica de células embrionárias sanguíneas é que elas não fazem divisões celulares. Portanto, essas células não seriam "atingidas" por retrovírus modificados", continua o pesquisador.
A experiência de Verma e Torbett levanta um problema: mesmo enfraquecido, injetar intencionalmente o HIV em pacientes não poderia causar a doença?
"É muito difícil. O vírus está completamente debilitado", disse Verma.
Segundo Torbett, "foi demonstrado que o vírus desenvolvido não consegue se replicar, devido à remoção do mecanismo genético necessário para tal".
"O HIV modificado não pode se "espalhar" como vírus normais, uma vez integrado ao material genético da célula hospedeira."
Testes em humanos ainda deverão demorar um certo tempo para serem desenvolvidos. Segundo Verma, serão necessários no mínimo um ou dois anos.
Antes, deverão ser coletados resultados a partir do experimento em outros animais, como cães.

Outras terapias genéticas
O método da terapia genética é testado para combater também outros tipos de doença. Para cada caso, um tipo de vírus é escolhido por pesquisadores para levar os genes a células em questão.
Em uma das experiências, por exemplo, o vírus escolhido foi o do herpes. Com ele, cientistas das universidades de Illinois e da Carolina do Sul procuram amenizar a dor associada a doenças como câncer, artrite e angina -dor aguda, normalmente associada a problemas no coração.


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