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MICRO/MACRO
A coragem do jovem Einstein
MARCELO GLEISER
especial para a Folha
As primeiras décadas do século
20 foram marcadas por uma
profunda revisão de nossos conceitos relativos à natureza física
do mundo. Primeiro, a teoria da
relatividade de Einstein reformulou a concepção de espaço e
de tempo, mostrando como as
definições então aceitas eram limitadas. Segundo a física newtoniana, o espaço e o tempo eram
entidades absolutas, independentes do estado de movimento
do observador. Einstein mostrou que existe uma inter-relação entre espaço e tempo, que
são mais apropriadamente tratados como uma entidade única, o
espaço-tempo quadridimensional (quatro dimensões, três para
o espaço e uma para o tempo).
Essa "unificação" do espaço
com o tempo leva a consequências que contrariam nosso bom
senso. Por exemplo, Einstein
mostrou que objetos em movimento têm suas dimensões contraídas na direção do movimento (a "contração espacial") e
que relógios em movimento batem mais devagar (a "dilatação
temporal"). Nós não vemos esses efeitos, pois eles só são perceptíveis quando os movimentos
ocorrem a velocidades próximas
à da luz (300 mil quilômetros por
segundo). Uma das consequências da teoria da relatividade é
que nós vivemos em uma realidade aproximada, newtoniana,
que esconde toda uma outra realidade relativística, onde comprimentos e intervalos temporais são sujeitos a mudanças.
Mas a teoria da relatividade
não foi a única a expandir as
fronteiras de nossa realidade física. Uma outra revolução conceitual ocorreu quase que ao lado da que houve na compreensão da estrutura do espaço-tempo causada pela relatividade: a
revolução em nossa compreensão da física do muito pequeno,
a física quântica. Mesmo com a
invenção do microscópio tendo,
desde o final do século 17, revelado um mundo diferente do
nosso, povoado por células etc.,
esse era ainda um mundo que seguia as leis newtonianas de movimento. Mas experiências no
século 19 obtiveram resultados
inexplicáveis pela física clássica.
A explicação desses resultados
experimentais forçou um realinhamento conceitual da física
que pegou a maioria dos físicos
de surpresa. A palavra "forçou"
é mesmo muito adequada. Tudo
começou quando o físico alemão
Max Planck sugeriu, em 1900,
que átomos não recebiam nem
emitiam energia continuamente,
mas em pequenos "pacotes",
ou quanta. Essa idéia era perturbadora; até então, energia era
tratada como uma quantidade
contínua. Planck tentou, durante anos, explicar sua idéia de forma "clássica", isto é, mostrar
que a descontinuidade da energia era consequência de conceitos determinísticos baseados na
física newtoniana. Mas seus esforços foram em vão: a interação
entre átomos e radiação era mesmo efetuada por meio de pequenos pacotes de energia e seus
múltiplos, da mesma forma que
transações monetárias são feitas
em termos de centavos e seus
múltiplos. O centavo é o "quantum" monetário.
As idéias de Planck inspiraram
o então jovem Einstein a pensar
mais profundamente sobre a natureza da radiação eletromagnética, cuja porção visível nos é familiar em forma de luz. No mesmo ano em que ele propôs a teoria da relatividade especial
(1905), Einstein publicou um artigo em que indica que a própria
luz tem um comportamento
dual, atuando ora como onda,
conforme era aceito na época,
ora como partícula. Como prova
de sua conjectura, Einstein explicou um resultado experimental conhecido como efeito fotoelétrico, pelo qual a radiação ultravioleta pode remover elétrons
de uma placa metálica eletricamente neutra, tornando-a carregada. O Prêmio Nobel que ele
ganhou em 1921 não foi pela teoria da relatividade, mas pelo efeito fotoelétrico. Ambas as idéias
demonstram a coragem intelectual do jovem Einstein que, aos
26 anos, lançou as sementes das
duas grandes revoluções da física desse século. E essas não foram as únicas duas sementes que
o jovem Einstein plantou então...
Marcelo Gleiser é professor de física teórica
do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e
autor do livro "A Dança do Universo".
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