São Paulo, quarta-feira, 13 de outubro de 2004

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ESPAÇO

Astro de sistema binário é de um tipo desconhecido

Estrela explora sua parceira até deixá-la do tamanho de planeta

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Durante todos aqueles anos, ela deu tudo de si. Dedicou-se, deixou de lado suas ambições, parou de brilhar. A cada dia, só fazia se aproximar mais. E o que ganhou em troca? Nada. Com o tempo perdeu o respeito, tornou-se disforme, uma aberração da natureza. Hoje, ela é apenas a vítima destroçada de um casamento infeliz. Esse enredo de folhetim acaba de ser revelado pelos astrônomos.
Ninguém poderia prever desfecho tão trágico. Bilhões de anos atrás, o casal EF Eridanus, localizado a uns 300 anos-luz daqui, era composto por duas estrelas bem parecidas com o Sol. Até que uma delas degringolou, após esgotar seu suprimento de combustível, e virou uma anã branca -um objeto maciço e compacto. (Isso também vai acontecer com o Sol, depois que ele se tornar uma estrela gigante vermelha, em cerca de 5,5 bilhões de anos.)
Foi quando começaram os problemas. Sem aviso, a anã branca começou a roubar matéria de sua vizinha. Compulsivamente até. "Como na frase clássica sobre a pessoa prejudicada num relacionamento romântico, a estrela menor se deu, se deu, se deu um pouco mais, até que não tivesse mais o que dar", explica Steve Howell, do Observatório Nacional de Astronomia Óptica, em Tucson (EUA), co-responsável pela descoberta.
"Agora a estrela doadora chegou a um beco sem saída -é muito maciça para ser considerada um superplaneta, sua composição não bate com a de nenhum tipo conhecido de anã marrom [uma espécie de estrela abortada, que não chega a atingir a massa necessária para produzir energia por fusão nuclear] e tem muito pouca massa para ser uma estrela. Não há uma categoria para um objeto nesse limbo."
A história foi levantada por meio de imagens, na freqüência do infravermelho, obtidas pelos telescópios Keck 2 e Gemini Norte, ambos no Havaí. Os resultados, que serão publicados na próxima semana no periódico "Astrophysical Journal" (www.jour nals/uchicago.edu/ApJ), apresentam pela primeira vez a nova e misteriosa classe de objeto, resultado da relação parasita em sistemas binários -casais de estrelas.
Hoje, o objeto menor de EF Eridanus tem o tamanho de Júpiter. A essa altura, sua massa é insuficiente para alimentar reações de fusão nuclear -em outras palavras, a estrela não brilha mais, nem produz grandes quantidades de energia, como o Sol faz.
Ela dá uma volta completa em torno da anã branca a cada 81 minutos, girando bem perto dela, a cerca de 400 mil quilômetros de distância (aproximadamente o percurso Terra-Lua). Quando o processo de roubo de massa começou, o tempo da órbita teria sido de quatro ou cinco dias.

História comum
"A coitada da estrela perdeu tanta massa que agora tem um vigésimo da massa do Sol", diz Cássio Leandro Barbosa, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, que não esteve envolvido na pesquisa.
"Perdas de massa nesse tipo de situação, as chamadas variáveis cataclísmicas, acontecem comumente, mas sempre se achou que alguma coisa pararia esse roubo. Pelo visto, não é tão fácil assim."
A dinâmica desse objeto tão esquisito é hoje totalmente desconhecida, mas isso não deve durar muito tempo. Segundo os pesquisadores americanos, provavelmente esses sistemas são bem comuns e até fáceis de achar, uma vez que exista a tecnologia para detectá-los.
"Há cerca de 15 outros sistemas binários conhecidos lá fora que podem ser similares a EF Eridanus, mas nenhum foi suficientemente estudado", diz Howell.


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