São Paulo, Domingo, 14 de Março de 1999
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PERISCÓPIO

A vacinação no combate a verminoses

JOSÉ REIS
especial para a Folha

É muito generalizado o conceito de ser difícil produzir vacina eficaz contra parasitas. Na sua maioria, protegem contra bactérias e vírus. Tem-se explicado essa dificuldade pela capacidade que os parasitas têm de evitar as reações imunológicas dos organismos pela frequente alteração de seus antígenos, isto é, das substâncias que despertam aquelas reações. A dificuldade seria ainda maior em vacinas contra vermes, porque estes são indivíduos multicelulares que provocam complexa resposta imune nos hospedeiros. Sem falar nos complexos ciclos que os parasitas costumam ter.
Não obstante, a literatura médica registra, por exemplo, o desenvolvimento, pelas técnicas convencionais, de vacinas contra certos tipos de leishmaniose. Ultimamente tem-se estudado a vacina contra o plasmódio da malária, um protozoário, e a esquistossomose, afecção produzida por verme, assuntos já ventilados aqui.
Em ambos os casos têm predominado as tentativas por meio da engenharia genética. No desenvolvimento de vacina antimalárica trabalham vários grupos, alguns com pesquisadores brasileiros, os quais procuram produzi-la a partir de diversas das formas que participam do ciclo do plasmódio.
Numerosas tentativas de obtenção experimental de vacina contra a esquistossomose têm sido relatadas com algum êxito em vários hospedeiros, porém não no homem. Essas experiências têm utilizado tanto o agente infestante atenuado (cercárias irradiadas), quanto antígenos purificados extraídos do parasita. As primeiras experiências em animais datam dos fins da década de 40 e princípios da seguinte. Mas os estudos foram retomados com mais intensidade a partir de 1978. Recentemente despertaram grande interesse o estudo de A. Capron, do Instituto Pasteur, de Paris, que conseguiu identificar uma proteína capaz de provocar níveis expressivos de imunização em ratos e camundongos. Essa proteína foi clonada. Pesquisadores brasileiros da Universidade Federal de Minas Gerais (C. Tavares e colaboradores) conseguiram isolar da secreção de cercárias (larvas do verme) um antígeno capaz de produzir certo grau de imunidade em camundongos. Outros pesquisadores brasileiros (M. Tandler e colaboradores), na Fundação Instituto Oswaldo Cruz, produziram resistência ao Schistosoma mansoni em coelhos por meio de injeção de antígenos de vermes adultos em solução salina.
Pesquisadores na Nova Zelândia e na Austrália comunicaram, em recente reunião da Sociedade Australiana de Microbiologia, a produção da primeira vacina eficaz contra uma doença parasitária usando técnicas da engenharia genética. Essa vacina protege contra a Taenia ovis, cujas formas embrionárias (cisticercos) comprometem a carne do carneiro destinada a exportação, causando grandes prejuízos econômicos àqueles países. A vacina foi eficaz em 95% dos casos.
Os carneiros adquirem a doença quando ingerem ovos de verme nas fezes de cães que o hospedam. A vacina será comercializada dentro de dois anos. Cientistas se reuniram para estudar a possibilidade de obter vacina semelhante contra outros vermes do mesmo tipo que causam doença em animais (cisticercose do porco e do boi) e no homem -o cisto hidático.
Há 18 anos os cientistas tentavam desenvolver vacina contra a T. ovis. Em 1971, M. Rickard mostrou que proteínas libertadas pelos cisticercos de carneiro eram eficazes como vacina, mas não conseguiu obter o produto em quantidades comercializáveis. Tudo mudou, porém, com a engenharia genética, que permitiu a produção de grande quantidade de antígeno a partir de cultura bacteriana. A técnica foi descrita em "Nature" (338, 585) e consiste em isolar ácido ribonucléico mensageiro de ovos da tênia e preparar a partir dele uma "biblioteca" de ácido desoxirribonucléico complementar que contém todos os genes para as proteínas do verme. Os fragmentos do DNA são introduzidos em bacilo coli, que passa a produzir grande quantidade de proteína vacinal.


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