São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2008

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Estudo sobre Vioxx teve autor-fantasma

Periódico "Jama" revela que multinacional Merck redigiu trabalhos sobre a droga e contratou médicos para assiná-los

Prática, conhecida como "ghostwriting", é comum na indústria, afirma autor de estudo; empresa e médicos contestam publicação


STEPHANIE SAUL
DO "NEW YORK TIMES"

A multinacional farmacêutica Merck redigiu por conta própria dúzias de estudos sobre uma de suas drogas mais vendidas e depois recrutou médicos de prestígio para colocar os seus nomes nos relatórios antes da publicação -prática conhecida como "ghostwriting". A revelação foi feita hoje por um artigo na revista "Jama", da Associação Médica Americana.
O trabalho, baseado em documentos obtidos a partir de processos sobre o antiinflamatório Vioxx, oferece uma visão rara e detalhada sobre a prática do "ghostwriting" (autoria-fantasma, em inglês) em estudos médicos publicados em periódicos acadêmicos.
O artigo cita um rascunho de um estudo sobre o Vioxx que ainda estava à procura de um pesquisador de renome, identificando o autor principal apenas como "Autor externo?"
O Vioxx era uma droga campeã de vendas antes de a Merck retirá-lo do mercado em 2004, após evidências de que ele causou ataques cardíacos. No ano passado, a empresa fez um acordo para pagar US$ 4,85 bilhões a pacientes do Vioxx ou suas famílias que moveram ações contra a multinacional.
O autor principal do artigo no "Jama", Joseph Ross, da Escola de Medicina Mount Sinai, em Nova York, disse que olhar de perto os documentos da Merck levanta questões amplas sobre a validade de boa parte das pesquisas publicadas pela indústria porque o "ghostwriting" parece ser disseminado.
"Isso quase põe em questão toda a pesquisa legítima que é feita pela indústria farmacêutica", disse Ross, cujo artigo sai na edição de hoje do "Jama" (www.jama.com).
A Merck reconheceu que às vezes contrata jornalistas para rascunhar relatórios de pesquisa antes de enviá-los aos médicos cujos nomes acabam aparecendo na publicação. Mas a empresa contestou a conclusão do artigo de que os autores não fazem pesquisa ou análise.
E pelo menos um dos médicos cuja pesquisa publicada foi questionada pelo artigo, Stephen Ferris, professor de psiquiatria da Universidade de Nova York, disse que a noção de que o artigo que leva seu nome teve um autor-fantasma é "simplesmente falsa". Ele disse que é "notável" que Ross e seus colegas não tenham feito apuração nenhuma além de vasculhar os documentos da Merck e ler os artigos publicados na literatura médica.
Em um editorial hoje, o "Jama" disse que a análise mostrou que a Merck aparentemente manipulara dezenas de publicações para promover o Vioxx. "Está claro que pelo menos alguns dos autores tiveram pouca participação direta", diz o editorial. "E, ainda assim, se deixaram chamar de autores".
O editorial convoca os editores de revistas médicas a pedir que cada autor relate sua contribuição específica para os artigos científicos.
Embora a influência da indústria sobre artigos científicos já tenha sido questionada antes, os documentos da Merck fornecem a visão mais abrangente até agora da magnitude da prática, segundo outro autor do artigo, David Egilman, da Universidade Brown.
Nos processos do caso Vioxx, milhões de documentos da Merck foram fornecidos aos querelantes. Ross e Egilman tiveram acesso a eles porque deram consultoria aos advogados dos querelantes.
Ross disse que as preocupações vão muito além da autoria, levantando questões sobre a validade dos testes clínicos nos quais se baseia a pesquisa. "Quem desenhou o teste? Quem fez a análise? Quem interpretou a análise?"
Vasculhando os documentos da Merck, Ross e seus colegas desenterraram e-mails e documentos relativos a 96 publicações. Em alguns casos, o departamento de marketing da Merck estava envolvido no planejamento dos manuscritos.


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