São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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Quem viu indícios de inteligência artificial nada entendeu; as revelações das vitórias se referem ao próprio jogo


Michel Alberganti
do "Le Monde"

Douglas Hofstadter, professor de ciências cognitivas e de informática na Universidade de Indiana em Bloomington (EUA), vive dividido entre seu desejo de criar programas de informática capazes de criatividade e a admiração que nutre pela complexidade do cérebro humano. Assim, a decepção devida a um fracasso em seu trabalho é atenuada pelo sentimento de enlevo diante da profundidade do espírito. Essa humildade orienta seu trabalho como pesquisador em inteligência artificial (IA) ou, segundo a expressão que ele prefere, em ciências cognitivas. Autor de uma obra mundialmente conhecida -"Gödel, Escher e Bach: Um Entrelaçamento de Mentes Brilhantes", publicada em 1979-, ele tomou um caminho diametralmente oposto àquele que levou os criadores dos softwares Deep Blue ou Deep Fritz a igualar ou mesmo derrotar os campeões mundiais do xadrez. "Aqueles que viram nessas vitórias indícios de inteligência artificial não compreenderam que o xadrez não constitui terreno apropriado para avaliar a inteligência artificial", diz ele. "Na verdade, as revelações que as vitórias trazem dizem respeito ao próprio jogo de xadrez, mostrando que é possível vencê-lo com a força bruta do cálculo, coisa da qual ninguém teria desconfiado há 20 anos." Apesar disso, Douglas Hofstadter lembra que algumas escolas da IA não estão muito distantes dos conceitos do xadrez, na medida em que procuram criar um cérebro artificial "contornando" os processos do cérebro humano. É o caso dos projetos que apostam no uso de chips cada vez mais potentes, acreditando que, dessa forma, a lei de Moore levará as máquinas a se tornarem inteligentes. Apesar disso, Hofstadter expressou dúvida diante da proeza de David Cope, que, com a ajuda de seu programa EMI, conseguiu enganar musicólogos, compondo músicas à moda de Mozart, Bach, Chopin, Mahler ou Gershwin. "Tenho um respeito tão grande pela música, como criação humana, que essa façanha me pareceu desvalorizadora para ela", declara o pesquisador, ele próprio compositor e inimigo da música de fundo, que qualifica de "papel de parede auditivo".

Novos desafios
Em maio de 2000, Hofstadter, abalado em suas convicções, organizou um simpósio que reuniu a nata dos pesquisadores em IA para que fossem apresentadas as pesquisas mais avançadas no setor. "Descobri que John Holland, apesar de ser inventor de algoritmos genéticos, era ainda mais cético do que eu quanto ao potencial da IA. Isso me devolveu a confiança em minha intuição."
Assim, Hofstadter decidiu continuar seguindo seu próprio caminho, explorando "os mecanismos da criatividade, cuja fronteira com o pensamento normal não é muito precisa".
Com seus doutorandos, ele se lança desafios tais como o de "saber o que é um conceito". Hoje ele faz experimentos com programas que funcionam com números aleatórios e que visam criar modelos dos processos criativos humanos, tentando, por exemplo, gerar um banco completo de caracteres a partir de uma única letra, ou de um agrupamento de letras.
"Definimos as características de "a-idade" ou de "b-idade", para permitir ao programa transportar os atributos e qualidades de uma letra dada para todas as outras letras do alfabeto", explica. "Fico feliz em poder dizer que não estamos nos saindo muito bem." Para ele, isso é mais uma prova da profundidade do espírito humano e de suas aptidões estéticas. Mas ele também se diz "um pouco decepcionado" -prova de que ainda não perdeu todas as suas esperanças de, algum dia, conseguir elucidar os mecanismos internos do pensamento.


Tradução de Clara Allain


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