São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2004

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Ciência em Dia

Orbitais atômicos fotografados

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

O periódico científico "Nature" (www.nature.com) de quinta-feira passada traz o relato de um desses feitos tecnocientíficos que se parecem com terremotos, ao menos na escala insignificante da tectônica pessoal que chamamos de memória. Um orbital atômico foi fotografado. Sensacional.
O espanto se justifica pela idade, suficiente para recuar ao tempo em que se ensinava na escola que o átomo era por definição invisível, de tão pequeno. Daí a origem do estarrecimento quando, no final dos anos 1980, surgiu a imagem pioneira de um deles, por obra de um microscópio eletrônico de tunelamento. Era uma imagem em preto-e-branco de um pico agudo, o relevo da protuberância atômica a interferir na marcha da sonda (agulha) do aparelho de varredura sobre a superfície.
A grande dúvida: seria mesmo uma "foto", ou seja, registro obtido à imagem e semelhança da coisa mesma, um reflexo seu? Ou apenas um gráfico, a representação espacial arbitrária de medidas colhidas pelo engenho humano?
A coisa se resolveu nos anos seguintes, em que as imagens -fotos, sim- foram ganhando em qualidade e resolução. A toda hora surgiam figuras inesquecíveis, até de arranjos geométricos de átomos na superfície de cristais. Massa.
Uma década antes dessa epifania tecnológica ainda se ouviam nas carteiras desconfortáveis do Colégio Equipe, em São Paulo, as palavras enigmáticas do professor Pavão: "Orbitais atômicos são nuvens de probabilidade, e não trajetórias dos elétrons", afirmava o mestre de química. Citação tectônica, é bom avisar, não literal.
Pavão tentava iniciar a rapaziada nos mistérios sondados pelo grande Linus Pauling, o dono de dois prêmios Nobel. Tudo que o mestre secundário conseguia era destruir a imagem do átomo como um nanossistema solar, ainda hoje encontradiça -meio século depois de popularizada- em logotipos de energia nuclear. No lugar ficava uma imagem conceitual esfumada, quase poética: nuvens de probabilidade.
Pois as nuvens agora foram fotografadas. Melhor dizendo, tomografadas, por uma equipe nipo-canadense liderada por David Villeneuve, do Conselho Nacional de Pesquisa do Canadá. Não há como entrar em detalhes, aqui, porque a parafernália é para lá de complicada. Basta dizer que foi usado um laser em lugar de raios X. O resultado é muito mais nítido do que imagens polêmicas obtidas há quatro anos pelo grupo de Franz Giessibl, da Universidade de Augsburg (Alemanha), e publicadas no periódico "Science".
Num comentário publicado na edição desta semana da "Nature", Henrik Stapelfeldt, da Universidade de Aarhus (Dinamarca), chama a atenção para possibilidades ainda mais mirabolantes. Ele afirma que o sistema de tomografia para elétrons é tão rápido que permitiria, em princípio, registrar modificações desses orbitais durante reações químicas, em que a cessão e o compartilhamento de elétrons tem um papel fundamental.
Esse filme não vai dar para perder.

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