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Ciência em Dia
Orbitais atômicos fotografados
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
O periódico científico "Nature"
(www.nature.com) de quinta-feira passada traz o relato de um desses feitos tecnocientíficos que se
parecem com terremotos, ao menos na escala insignificante da tectônica pessoal que chamamos de
memória. Um orbital atômico foi
fotografado. Sensacional.
O espanto se justifica pela idade,
suficiente para recuar ao tempo
em que se ensinava na escola que o
átomo era por definição invisível,
de tão pequeno. Daí a origem do
estarrecimento quando, no final
dos anos 1980, surgiu a imagem
pioneira de um deles, por obra de
um microscópio eletrônico de tunelamento. Era
uma imagem
em preto-e-branco de um
pico agudo, o
relevo da protuberância atômica a interferir na marcha
da sonda (agulha) do aparelho de varredura sobre a superfície.
A grande dúvida: seria mesmo uma "foto", ou seja, registro
obtido à imagem e semelhança da
coisa mesma, um reflexo seu? Ou
apenas um gráfico, a representação espacial arbitrária de medidas
colhidas pelo engenho humano?
A coisa se resolveu nos anos seguintes, em que as imagens -fotos, sim- foram ganhando em
qualidade e resolução. A toda hora
surgiam figuras inesquecíveis, até
de arranjos geométricos de átomos
na superfície de cristais. Massa.
Uma década antes dessa epifania
tecnológica ainda se ouviam nas
carteiras desconfortáveis do Colégio Equipe, em São Paulo, as palavras enigmáticas do professor Pavão: "Orbitais atômicos são nuvens de probabilidade, e não trajetórias dos elétrons", afirmava o mestre
de química. Citação tectônica, é bom
avisar, não literal.
Pavão tentava iniciar a rapaziada
nos mistérios sondados pelo grande
Linus Pauling, o dono de dois prêmios Nobel. Tudo que o mestre secundário conseguia era destruir a
imagem do átomo como um nanossistema solar, ainda hoje encontradiça -meio século depois de popularizada- em logotipos de energia nuclear. No lugar ficava uma imagem
conceitual esfumada, quase poética:
nuvens de probabilidade.
Pois as nuvens agora foram fotografadas. Melhor dizendo, tomografadas, por uma equipe nipo-canadense
liderada por David Villeneuve, do
Conselho Nacional de Pesquisa do
Canadá. Não há
como entrar em
detalhes, aqui,
porque a parafernália é para lá
de complicada.
Basta dizer que
foi usado um laser em lugar de
raios X. O resultado é muito
mais nítido do
que imagens
polêmicas obtidas há quatro
anos pelo grupo
de Franz Giessibl, da Universidade de
Augsburg (Alemanha), e publicadas
no periódico "Science".
Num comentário publicado na edição desta semana da "Nature", Henrik Stapelfeldt, da Universidade de
Aarhus (Dinamarca), chama a atenção para possibilidades ainda mais
mirabolantes. Ele afirma que o sistema de tomografia para elétrons é tão
rápido que permitiria, em princípio,
registrar modificações desses orbitais
durante reações químicas, em que a
cessão e o compartilhamento de elétrons tem um papel fundamental.
Esse filme não vai dar para perder.
@ - cienciaemdia@uol.com.br
www.cienciaemdia.blogspot.com
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