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Periscópio
Doença genética mitocondrial
José Reis
especial para a Folha
Douglas Wallace e colaboradores, da
Emory University, em Atlanta
(EUA), revelaram na revista "Cell" (61,
931) a causa genética de uma doença mitocondrial. Ela reside em defeito no mecanismo de tradução da mensagem genética, isto é, no processo pelo qual o
DNA produz a proteína do corpo.
Na última década, identificaram-se várias doenças causadas por deficiências de
enzimas mitocondriais. Nelas têm sido
notadas mutações e deleções no DNA
nuclear e no mitocondrial. Os quadros
clínicos são heterogêneos (epilepsia, paralisia do globo ocular, cegueira, distúrbios hormonais, surdez, deficiência na
contração do músculo cardíaco). Dois sinais típicos permitem identificar a doença mitocondrial: acidose lática e proliferação mitocondrial, com mitocôndrias
gigantescas e cristais de proteína.
As mitocôndrias são organelas do citoplasma celular, onde têm a função de
central energética. Cada mitocôndria
possui seu próprio material genético sob
forma de DNA, que forma molécula circular. Diferentemente do nuclear, só se
transmite às células descendentes pela linha materna: na fertilização do óvulo, as
mitocôndrias do espermatozóide são
barradas e não atravessam a membrana
ovular. A produção de energia pela mitocôndria é típica, fazendo-se pelo sistema
chamado de fosforilação oxidativa.
A equipe de Wallace há vários anos estuda o complexo patológico conhecido
em inglês por MERRF, que se manifesta
em espasmos musculares breves (epilepsia mioclônica) associados a progressiva
degeneração em tecidos nervosos e musculares, assim como hepáticos e renais,
sintomas resultantes da incapacidade
mitocondrial de fornecer suficiente
energia. Pelas peculiaridades da doença,
como a transmissão em linha materna e
as deficiências bioquímicas do sistema
energético de fosforilação oxidativa, suspeitou-se que o processo fosse de origem
mitocondrial, o que foi encarado com ceticismo por vários investigadores.
Examinando o DNA mitocondrial de
pacientes com MERRF, a equipe de Wallace confirmou a suspeita e descobriu
que o defeito básico consistia em mutação num gene que comanda a produção
do ácido ribonucléico de transferência
(tRNA) que, no processo de transcrição
do DNA em proteína, transporta o ácido
aminado lisina para sua posição correta
na proteína que se está formando.
Na MERRF, pela ligação das mitocôndrias com a geração de energia, a maioria
dos sintomas atinge sistemas relacionados com esta, em graus variáveis conforme as demandas energéticas de cada estrutura. As manifestações são mais intensas no tecido nervoso, a seguir no
muscular e em outros órgãos. Sua intensidade depende da quantidade de mitocôndrias com gene defeituoso. O quadro
clínico varia muito, segundo a proporção de mitocôndrias normais e afetadas.
Para Wallace, muitas síndromes clínicas
que parecem misteriosas podem ser causadas por defeito no aparelho mitocondrial, inclusive processos degenerativos
como as doenças de Huntington e Parkinson, além do envelhecimento.
É difícil saber quem descobriu o papel
das mitocôndrias. Altman percebeu em
1890 que elas são elementos vivos, capazes, como as bactérias, de viver independentemente no citoplasma celular. Otto
Warburg, em 1913, viu relação entre esses grânulos e a respiração celular. Mais
tarde (1930), Bensley abriu os modernos
caminhos de estudo das mitocôndrias,
tentando isolá-las por centrifugação diferencial, o que foi conseguido em 1948
por Hageboom, Schneider e Palade no
Instituto Rockefeller de Nova York. No
mesmo instituto, as pesquisas de Kennedy e Lehninger demonstrariam que as
mitocôndrias isoladas do fígado de rato
são capazes de realizar oxidações fosforiladas em cujo decurso se fabrica o ATP
(trifosfato de adenosina), o grande transportador celular de energia.
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