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PERISCÓPIO
Novas questões levantadas sobre a fisiologia do olfato
JOSÉ REIS
especial para a Folha
Dos sentidos humanos, o olfato
parece o mais primitivo e também
tem sido o menos estudado. Recentemente, a idéia que em geral
fazemos de seu funcionamento foi
desafiada por pesquisas que colocam principalmente na mucosa
nasal, e não no cérebro, a faculdade de discriminar os cerca de 10
mil odores que reconhecemos.
O órgão olfativo consiste em
uma pequena mancha amarelada,
de alguns centímetros quadrados,
situada na parte superior e interna
da mucosa de cada uma das fossas
nasais. Na mancha existem milhares de cílios microscópicos, que
são as ramificações terminais de
neurônios (células nervosas) bipolares, que, pela outra extremidade, se prolongam em filamentos
(axônios) que, juntos, formam o
nervo olfativo (um de cada lado).
O nervo dirige-se a uma dobra do
córtex da parte anterior e inferior
do cérebro, o bulbo olfativo, um
para cada hemisfério cerebral.
Bem pouco sabíamos há 40 anos
da fisiologia do olfato, talvez pela
dificuldade de realizar experimentos em animais, limitando-se os fisiologistas a acompanhar os fenômenos que ocorriam quando da
recuperação do sentido temporariamente lesado ou suprimido por
qualquer causa. Os fatos até então
observados permitiram a A.W.
Ham sugerir a hipótese seguinte:
as células olfativas são de tipos diferentes, especializadas para serem estimuladas por certos odores
básicos. Os receptores para esses
tipos básicos de odores não se
acham distribuídos igualmente
por toda a mancha, mas são até
certo ponto segregados. A capacidade de apreciar grande número
de cheiros se deve ao estímulo desses sobre combinações diferentes
de receptores dos odores básicos.
A intensidade do cheiro depende
do número de receptores por ele
estimulados.
Com o passar do tempo, chegou-se a uma concepção diferente.
Quando cheiramos alguma coisa,
as moléculas odoríferas são captadas por alguns dos neurônios receptores, que são até certo ponto
especializados nos tipos de odores
a que respondem.
As células excitadas emitem impulsos que se propagam até o bulbo olfativo, sendo a intensidade da
sensação proporcional ao número
de receptores ativados, enquanto
sua localização no nariz reflete a
natureza do cheiro. Isso significa
que cada cheiro é expresso por um
padrão especial de atividade receptora, que é afinal transmitido
ao bulbo.
Esse analisa cada padrão de sinais e sintetiza sua própria mensagem, transmitida a outra parte do
sistema, o córtex olfativo, que envia novos sinais a muitos locais do
cérebro, especialmente ao córtex
entorrínico, em que os sinais são
combinados com os de outros sistemas sensoriais. Daí resulta uma
percepção carregada de sentido,
peculiar a cada indivíduo.
Walter J. Freeman ("Scientific
American", 264, 34) pesquisou a
fundo a eletrofisiologia do que
ocorre no bulbo e em outras áreas
do cérebro, revelando que o processo olfativo realmente se faz
com a participação de numerosos
neurônios cerebrais a partir da
síntese bulbar. E acredita haver
descoberto mais, isto é, a existência de um estado de caos (comportamento complexo que parece
ocorrer a esmo, porém na realidade possui uma certa ordem oculta)
no funcionamento do cérebro. As
percepções nasceriam da atividade
caótica autocontrolada do córtex.
A interação do córtex olfativo, do
bulbo e da retroalimentação
("feedback") de outras partes do
cérebro seriam essenciais para a
manutenção e o controle do caos
no sistema olfativo.
Não menos interessantes são os
resultados das pesquisas de Richard Axel e Linda Duck publicados na revista "Cell". Eles dizem
haver isolado o que acreditam ser
os primeiros receptores odoríferos, genes individuais que são ativos apenas no nariz. Isolaram
mais de algumas centenas desses
genes, crendo porém na existência
de mais de mil. Ao contrário, pois,
do que se passa em outros sentidos, em que alguns poucos genes
explicam os fenômenos, a maior
parte da discriminação das moléculas olfativas seria feita em nível
químico no próprio nariz. Os odores atingiriam receptores específicos nos cílios e a eles se ajustariam
como chave à fechadura. Isso não
excluiria, mas aliviaria de muito, a
participação do cérebro no processo olfativo. E poderia ter uma
razão de ser evolucionária, a partir
de tempos primitivos em que o
cheiro era talvez o sentido mais
apurado e o cérebro, ainda muito
pequeno para processar toda a
carga de informação recebida.
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