São Paulo, domingo, 23 de março de 1997.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cometas podem ter "fertilizado" o planeta

RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

Quando a sonda espacial européia Giotto atravessou espetacularmente o cometa Halley em 1986, parecia que a ciência tinha descoberto tudo o que poderia saber sobre esses astros, a não ser que pudesse coletar pedaços de um. Até se descobrir o Hale-Bopp.
A atual passagem do cometa Hale-Bopp pelo interior do Sistema Solar não vai apenas produzir milhares de belas fotos; também vai ajudar a ciência a entender mais sobre esses astros, que se acredita serem feitos das mesmas substâncias que o Sistema Solar no passado. Os cometas não seriam meros ``fósseis'' estelares, porém.
Há quem acredite que deles vieram substâncias que deram origem à vida na Terra, como os aminoácidos dos quais se fazem as proteínas, ou a própria água dos oceanos.
A excitação atual se deve ao fato de o Hale-Bopp ser um cometa diferente, e também porque os cientistas têm melhores instrumentos à disposição. ``Desde o Halley, houve aumentos dramáticos nas técnicas de observação'', disse à Folha, por telefone, um dos co-descobridores do cometa. O americano Alan Hale dirige o Instituto do Sudoeste para Pesquisa Espacial e é doutor em astronomia pela Universidade do Estado do Novo México.
``Hoje temos detectores eletrônicos integrados a computadores que permitem o estudo em uma faixa maior de comprimentos de onda'', diz.
Os astrônomos usam a própria luz emitida pelo cometa -sua radiação- para estudar suas características físico-químicas. Os espectrômetros, por exemplo, são instrumentos que separam a luz em seus componentes, medindo seus ``comprimentos de onda''.
Diferentes composições químicas e temperaturas fazem um corpo celeste emitir luz de modos distintos. ``Para mim, a função mais importante vai ser determinar a quantidade de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio no cometa. Eu suspeito que a resposta vai ser que as porcentagens são muito semelhantes àquelas nossas, e de outras formas de vida na Terra. Isso poderia dar evidências novas e importantes de que, quando a Terra era jovem, colisões de cometas trouxeram os tijolos, dos quais é feita a vida, para a Terra'', diz David Levy, do Observatório Lowell, co-descobridor do cometa Shoemaker-Levy 9, que se espatifou contra Júpiter em 1994.
``Nós já detectamos no Hale-Bopp várias espécies moleculares que não foram identificadas no Halley. Isso porque os espectrômetros de massa usados em terra são bons para certas moléculas, enquanto a espectroscopia remota das sondas é boa para outras moléculas'', afirma Michael A'Hearn, da Universidade de Maryland em College Park (EUA).
O Halley já deu cerca de 3.000 voltas em torno do Sol. Já o Hale-Bopp parece ser bem mais novo e bem maior, além de estar se comportando de modo surpreendente, ao mostrar muita atividade (jatos de matéria, núcleo girando) ainda longe do Sol.
``O cometa Halley é o único que nós conhecemos em detalhe, graças à Giotto e outras sondas, mas não sabemos se ele é típico dos cometas em geral. Pode ser que não, e esse conhecimento só podemos obter estudando cometas brilhantes'', diz Mark Kidger, do Instituto de Astrofísica de Canárias, nas Ilhas Canárias (Espanha).
Kidger concorda com Hale quanto aos instrumentos, que melhoraram muito desde a passagem do Halley. ``Mesmo sem sondas espaciais, podemos estudar coisas que antes eram difíceis ou impossíveis'', diz.
Existe mais uma sonda, a Rosetta, que deve voltar a chegar perto de um cometa, o Wirtanen, daqui a seis anos. ``Mas ele é um cometa também velho, que perdeu muito de sua atividade original'', afirma Kidger. Para planejar uma viagem de uma sonda espacial, os cientistas precisam de um cometa com órbita já bem conhecida, geralmente um astro mais velho.
Seja qual for a idade do alvo, ``não há dúvida de que uma sonda espacial devidamente equipada vai poder trazer informação crucial que não tem como ser obtida por observações por telescópios. A química orgânica ilustra isso bem: mais de 500 compostos orgânicos diferentes foram isolados do meteorito Murchison'', afirma Michael Mumma, do Centro Espacial Goddard, da Nasa (Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço), de Greenbelt, Maryland (EUA).
``As sondas do Halley foram como um instantâneo na vida de um cometa'', diz Anita Cochran, da Universidade do Texas em Austin.
``Nós estamos seguindo o Hale-Bopp faz dois anos e, com isso, podemos determinar seu comportamento ao longo do tempo.'' As substâncias químicas no ``gelo sujo'', que constitui um cometa, podem indicar se ele tem composição química parecida com a da nuvem interestelar de partículas que precedeu o Sistema Solar, ou com a região da nébula solar na qual depois se formaram os planetas.
Mumma aponta duas informações importantes que a análise remota de um cometa pode trazer. Medindo os diferentes isótopos (variantes de um mesmo elemento químico com diferentes números de nêutrons no núcleo do átomo) do hidrogênio presente na água, seria possível checar se de fato a água do oceano terrestre teria vindo de cometas, como sugerem alguns cientistas. E checar os isótopos do carbono daria pistas sobre a possível dádiva cometária de moléculas orgânicas (contendo carbono) no passado terrestre.
Observações em terra podem ser feitas por períodos mais longos que uma rápida passagem de uma sonda, como a Giotto fez com o Halley. São métodos de estudo complementares. E, como diz Karen Meech, astrônoma da Universidade do Havaí: ``Fazia tempo que não havia uma oportunidade de observação terrestre tão boa quanto o Hale-Bopp''.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright 1997 Empresa Folha da Manhã