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+ Marcelo Gleiser
Como fazer galáxias
A força de atração gravitacional é sempre superior
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No último século, nossa visão
cósmica passou por uma profunda transformação. O cosmo cresceu assustadoramente, virou
uma entidade dinâmica, sempre em
expansão, povoado por uma variedade
imensa de objetos.
Parece até brincadeira, mas até a
década de 1920 se acreditava que a Via
Láctea fosse a única galáxia no cosmo.
Claro, astrônomos viam outras "nebulosas", mas a maioria pensava que elas
faziam parte da nossa galáxia. Alguns,
porém, afirmavam que essas nebulosas eram outros "universos-ilhas", galáxias como a nossa. Não havia consenso.
Apenas em 1924, o astrônomo americano Edwin Hubble, munido de um
telescópio de 100 polegadas (o diâmetro do espelho coletor de luz), pôs fiz
ao debate: Hubble provou que os universos-ilhas estavam fora da nossa galáxia, sendo, portanto, galáxias também. O cosmo era muito maior do que
se imaginava, com um número de galáxias imenso, chegando a centenas de
bilhões. Por sua vez, cada galáxia tem
uma enormidade de estrelas, de alguns milhões a centenas de bilhões.
Bilhões de ilhas com bilhões de "árvores" iluminadas.
Essa fantástica visão era apenas o
começo. Em 1929, Hubble fez outra
descoberta fundamental, talvez uma
das mais importantes na história da
ciência: o Universo está em expansão!
As galáxias estão, na maioria, se afastando umas das outras. Ora, se isso é
verdade, a conclusão natural é que, no
passado, elas estiveram mais próximas. Num passado muito distante, estariam amontoadas. Este seria o momento "inicial", o Big Bang. Mas o assunto hoje são as galáxias. Como surgiram? A idéia de que o Universo está em expansão vai contra a noção de
que galáxias são um aglomerado de
matéria. Será que não deveriam se dispersar pelo espaço devido à expansão?
O que as mantém coesas?
Para entendermos isso, uma pequena digressão. A coesão das coisas é devida a forças atrativas. No caso das galáxias, a força em atuação é a gravidade, sempre atrativa. Se as galáxias não
se dispersam, é porque a atração gravitacional de sua matéria é superior
aos efeitos da expansão. Mas que matéria é essa? Outra descoberta surpreendente: a matéria que vemos
-que compõe as estrelas e as nebulosas- é apenas uma pequena fração da
matéria total que existe numa galáxia.
A maior parte da matéria nas galáxias
é invisível. Não só invisível, mas não
tem nada a ver com a matéria comum,
feita de prótons, nêutrons e elétrons.
Ela é a chamada matéria escura, que
não emite luz, interagindo com a matéria comum apenas por meio de sua
atração gravitacional. Não podemos
vê-la diretamente, mas sabemos que
existe pelo modo como a matéria que
brilha se move em sua presença.
Portanto, para galáxias existirem,
precisamos de matéria comum e de
matéria escura. Mas está faltando algo
de muito importante, especialmente
se queremos entender como as galáxias nasceram durante a infância do
Universo. Para que matéria se condense, é necessária uma semente, um
amontoado inicial de matéria que
atraia mais matéria. Que sementes
são essas? Segundo as teorias atuais,
essas sementes foram criadas durante
os primeiros instantes de existência
do cosmo, cerca de 14 bilhões de anos
atrás. Elas são os restos mortais de um
tipo de matéria exótica que já não
existe -fósseis do Big Bang.
Sabemos que essa idéia deve estar
correta porque prevê outros efeitos
que foram observados recentemente.
Dentre eles, que o Universo tem uma
geometria plana. Matéria comum,
matéria escura, sementes primordiais
de energia. O céu é cheio de surpresas,
a maioria delas invisíveis aos olhos.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo".
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