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PALEONTOLOGIA
Criatura de 164 milhões de anos tinha cauda de castor e sugere que mamíferos conquistaram a água cedo
Chineses descobrem "lontra" pré-histórica
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ele parece saído de uma brincadeira de criança: o que dá o cruzamento de castor com lontra e com
foca? Resposta: um Castorocauda
lutrasimilis com 164 milhões de
anos de idade, um bicho do Período Jurássico cuja descoberta está
revolucionando a história mais
remota dos mamíferos.
O fóssil do animal, encontrado
na China, mostra que ele era bem
maior que outros mamíferos primitivos, além ser o mais antigo
membro do grupo adaptado à vida na água. A descoberta indica
uma surpreendente colonização
de um novo ambiente em um momento em que a vida na Terra era
dominada pelos dinossauros.
Ele não é considerado ancestral
direto dos mamíferos modernos,
como o homem. Mas seu nome
científico em latim indica as semelhanças - "cauda de castor" e
"semelhante à lontra".
Serviço completo
O excelente estado de preservação do fóssil permitiu identificar
pêlos, assim como uma cauda escamosa semelhante à dos castores
e dentes que lembram os das focas, bem adaptados para caçar e
comer peixes. Fósseis de mamíferos dessa idade são raros e, em geral, não passam de alguns poucos
dentes e fragmentos de ossos.
O achado foi descrito por uma
equipe de quatro pesquisadores
da China e dos EUA na edição de
hoje da revista americana "Science" (www.sciencemag.org).
A era geológica conhecida como
Mesozóico durou de 245 milhões
a 65 milhões de anos atrás, dividida nos Períodos Triássico, Jurássico e Cretáceo, durante os quais
os dinossauros surgiram, chegaram ao auge e se extingüiram.
"A maioria dos mamíferos do
Mesozóico tem entre 20 gramas e
50 gramas. Até hoje, conhecem-se
apenas três mamíferos mesozóicos com tamanho maior: o sinoconodonte, do começo do Jurássico, com 500 gramas; o Castorocauda, do Jurássico Médio, com
até 800 gramas; e depois os da família dos gobiconodontídeos,
que variam de 500 gramas a 10
quilos", disse à Folha Zhe-Xi Luo,
curador de Paleontologia de Vertebrados do Museu Carnegie de
História Natural (EUA).
"O Castorocauda é certamente
o maior mamífero jurássico. Não
é tão leve pelo padrão do Mesozóico. Era um gigante entre os
anões, digamos assim", afirma.
Só depois da extinção dos dinos,
65 milhões de anos atrás, é que foi
possível aos mamíferos evoluir de
forma mais diversificada e ocupar
novos nichos nos ambientes do
planeta. Mas fósseis como o Castorocauda lutrasimilis indicam
uma diversidade até agora insuspeita antes dessa explosão após o
fim do reinado dos dinossauros.
A maioria dos minimamíferos
mesozóicos era comedora de insetos. Tinham esqueletos "genéricos", sem nenhuma especialização. Até recentemente se achava
que todos eram assim.
"Nós agora sabemos que os mamíferos mesozóicos podem ser
excelentes trepadores, caso do Eomaia e do Sinodelphys; ou especializados em comer insetos sociais e bons cavadores, como o
Fruitafossor", afirma Zhe-Xi Luo.
Além da especialização para escalar, o Eomaia e o Sinodelphys
são importantes por outro motivo. O primeiro é o mais antigo representante dos mamíferos placentários (cujos fetos são protegidos por uma bolsa, a placenta),
como o homem. Já o Sinodelphys
parece ser o mais velho membro
da linhagem marsupial, a dos cangurus e gambás de hoje. Ambos
foram descritos por Luo e têm 125
milhões de anos.
Diversidade ecológica
"A descoberta do Castorocauda
como o mais antigo mamífero nadador amplia ainda mais essa diversificação de nichos de mamíferos mesozóicos com o modo de
vida semiaquático", diz ele. "Hoje, é correto dizer que os animais
do Mesozóico são bem mais diversos ecologicamente do que os
pesquisadores imaginavam três
ou quatro anos atrás."
O Castorocauda tinha um modo de vida semelhante ao dos modernos ornitorrincos, que têm tamanho parecido -vivendo ao
longo de margens de rios e lagos,
comendo peixes e insetos e cavando túneis para seus ninhos, segundo Zhe-Xi Luo.
O fóssil mostra uma combinação precoce de várias características, como a adaptação tanto para
nadar quanto cavar e os dentes especializados. Esses traços, porém,
estão associados a um crânio com
formas primitivas. Como lembrou o pesquisador Thomas Martin, do Instituto de Pesquisas de
Senckenberg, Alemanha, em artigo na mesma edição da revista, a
descoberta recua a data da conquista das águas pelos mamíferos
em cerca de 100 milhões de anos.
Tanto os mamíferos modernos
semiaquáticos, como castores e
lontras, quanto os aquáticos, como peixes-bois e baleias, só apareceram na Terra de 55 milhões
de anos para cá.
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