|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BIOLOGIA
Planta com 6% do teor normal pode levar a bebida "light" sem perda de sabor, diz estudo de Campinas na "Nature"
Brasileiros acham café quase sem cafeína
MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
FERNANDA BASSETTE
FREE-LANCE PARA A FOLHA CAMPINAS
Aquele café descafeinado de
gosto estranho está com os dias
contados, e os responsáveis por
isso são brasileiros. Cientistas da
Unicamp e do IAC (Instituto
Agronômico de Campinas) acharam uma planta de café com só
6% da cafeína do café normal -e
que pode gerar uma bebida sem a
perda de sabor ocasionada pela
retirada artificial da substância.
As sementes ainda não estão
disponíveis, mas a descoberta,
publicada na edição de hoje da revista científica britânica "Nature"
(www.nature.com), pode se
transformar em um produto já
nos próximos cinco ou seis anos,
dizem os pesquisadores.
A equipe liderada pelo engenheiro agrônomo Paulo Mazzafera, professor do Instituto de Biologia da Unicamp, achou três dessas plantas, da espécie Coffea arabica, a variedade mais consumida
e apreciada de café do mundo.
Questão de gosto
"Nessa espécie, esse é o primeiro relato de plantas sem cafeína",
disse à Folha Mazzafera, 43. "Nos
processos normais de retirada da
cafeína há perda de açúcares e ácidos orgânicos. Essas substâncias
são responsáveis pela diferença
no gosto do descafeinado", diz.
A cafeína, embora seja um composto natural sem malefícios
comprovados à saúde, está ligada
a palpitações no coração, aumento da pressão, ansiedade, tremores, problemas gastrointestinais e
insônia. O descafeinado representa cerca de 10% do café consumido no mundo, segundo a Associação Nacional de Café dos EUA.
"Não tenho necessidade de tomar café sem cafeína, não tenho
problema nenhum. Mas há pessoas muito sensíveis a isso", diz.
Já há no mundo uma versão de
planta de café descafeinado transgênica, mas, além da redução no
teor da substância ser menor (de
50 a 70%, e não 94%), ela pertence
a uma espécie com gosto considerado inferior, a Coffea canephora.
Cientistas têm tentado sem sucesso transferir essa característica
da C. canephora para a C. arabica,
num processo que, segundo Mazzafera, é cheio de dificuldades na
via transgênica. Naturalmente,
por meio de cruzamentos entre
plantas, levaria ao menos 30 anos.
Já as três plantas do estudo de
Campinas, batizadas AC1, AC2 e
AC3 (em homenagem a Alcides
Carvalho, patrono do centro de
pesquisa de café do IAC), poderiam produzir café descafeinado
natural muito mais rápido. A única dificuldade estaria ligada à produtividade na escala comercial.
"As plantas são de um banco de
germoplasma [coleção de material vegetal vivo com um catálogo
das características genéticas] do
IAC e, portanto, nunca foram tratadas ou adubadas como plantas
para produção em larga escala."
Mazzafera vê duas saídas para
seu problema: ou tenta aumentar
a produtividade por meio de condições do ambiente, como adubo
e iluminação, ou, se o ganho não
for suficiente, pode tentar a hibridização das plantas com outras altamente produtivas. Para a primeira hipótese, ele prevê um produto em cinco ou seis anos. Para a
segunda, cerca de 15.
"Hoje estimamos a produtividade das plantas em uns 30% de
uma planta competitiva. Se a gente chegar a 60%, talvez valha a pena produzi-las sem hibridização."
Com as plantas isoladas, a equipe poderia também retirar delas
os genes e transferi-los a outras,
transgênicas. "Sem dúvida isso
poderia ser feito", afirma Mazzafera, "mas aí se perde o apelo natural, mesmo sendo passado entre plantas de mesma espécie."
O estudo, que também contou
com os pesquisadores do IAC
Maria Silvarolla e Luiz Fazuoli,
envolveu 3.000 variedades de
planta -o banco de germoplasma-, todas com origem na Etiópia. Os cientistas localizaram os
três espécimes AC em 2003.
Segundo o estudo, as plantas
não produzem cafeína devido a
uma falha genética em sua atividade metabólica, que as impede
de transformar um intermediário
parecido com a cafeína, chamado
teobromina, na substância. Assim, as plantas AC têm mais teobromina que as normais. "A teobromina tem propriedades diuréticas e pode até ter efeitos similares aos da cafeína, mas absurdamente menores", diz Mazzafera.
Texto Anterior: Espaço: Piloto de nave privada teve medo de morrer Próximo Texto: Panorâmica - Nanotecnologia: Físicos criam flores e árvores com um milésimo da espessura de fio de cabelo Índice
|